01/03/2021

O Largo do Carmo

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

As denominações de Praça João Lisboa e Largo do Carmo eram utilizadas para o mesmo logradouro, até que nos anos 70 passou a designar-se oficialmente pelo que popularmente sempre se chamou de Largo do Carmo, em referência à Igreja de Nossa Senhora do Carmo. No centro da cidade, em seu espaço reuniam-se grupos nos bancos por preferência de assunto. A política dominava, mas se tratava de esporte, de literatura, das artes e da vida alheia. Havia o senado localizado no banco próximo do relógio, em frente à Igreja, presidido por Michel Nazar, homem afirmativo e com audiência junto às autoridades e ao governador do Estado.

O Largo do Carmo sofreu recente reformulação, patrocinada pelos governos federal, estadual e municipal, sob a fiscalização do Serviço do Patrimônio Histórico, garantindo a manutenção, na essência, do formato original. São Luís, patrimônio cultural da Humanidade merece esse tratamento de parte de todos esses organismos, especialmente o Largo do Carmo, o coração da cidade. Por lá passavam todas as pessoas influentes, políticos, intelectuais, profissionais liberais, comerciantes, gente simples do povo, circulando em seus bondes que lá tinham parada obrigatória.

Tive a sorte de lá morar, em uma casa de dois andares, embaixo meu pai tinha a sua farmácia, residíamos no pavimento superior. Adolescente, curioso, percorria todos os grupos de conversa, e atrevido, ousava participar de alguns. Para mim foi aprendizado inesquecível. Conheci em suas rodas de conversa, Nauro Machado, Amaral Raposo, Bandeira Tribuzi, dentre outros intelectuais, e deles guardo estórias interessantes. Rapidamente, só uma do Amaral Raposo: estreou o filme “Zorba, o grego”, enorme sucesso de público e crítica, unanimidade, saudado pelos intelectuais como excelente realização. Tocava-se nas rádios constantemente a canção do mesmo nome.

No café do Lobato, situado no abrigo, perguntado sobre o filme, Amaral respondeu taxativamente: “uma merda, saí na metade”. Sem entrar no mérito, ninguém ousou contestá-lo. Ele era assim. Excêntrico e personalista na forma de viver e escrever. Dizia-se, uma das penas mais afiadas do Maranhão. 

Eram assíduos os parlamentares, Sálvio Dino e Benedito Buzar, deputados estaduais; José Mário Santos e Luiz Regino de Carvalho, vereadores. Participavam de discussões acaloradas sobre os temas que iam do local, ao estadual, ao nacional. Quando faltavam eram lembrados, como se quisesse exigir a assinatura do ponto.

Era o espaço onde ocorriam os grandes comícios, os presidenciáveis Jânio Quadros, Marechal Lott, Adhemar de Barros fizeram seus discursos de campanha. Recordo de dois episódios. Lott combateu os excessos do bacharelismo, o suficiente para levá-lo a perda de muitos votos. A base de sua campanha era o Centro Acadêmico Clodomir Cardoso da Faculdade de Direito.  Ao saber Jânio comentou com ironia: “onde eu posso ir, basta o Lott discursar”.

No discurso do Jânio, lembro-me das vassouras envergadas e dos gestos grandiloquentes do candidato. Nesse comício falou o deputado José Sarney, dizendo do seu sacrifício por estar ali, pois deixara a sua filha com febre. Tratava-se de Roseana Sarney.  Adhemar de Barros, um ídolo desde os episódios da greve de 51, empolgava a multidão com as suas promessas acreditadas pela ajuda que dera a Neiva Moreira, Clodomir Millet e as “Oposições Coligadas”. 

No discurso de posse na Academia Maranhense de Letras, Sálvio Dino, evocando o Largo do Carmo, lembrou a “turma do urucuzeiro”, integrada por nacionalistas, socialistas, comunistas, pessoas mais à esquerda, que se reuniam debaixo dessa árvore. Aproveito, por oportuno, para indagar sobre a arborização do Largo do Carmo, outrora, haviam árvores altas com muitas ramagens, derrubadas, desfigurando o Jardim de Academus que ensinou a tantos maranhenses. Entre eles me incluo. Ainda restam estórias a contar sobre o Largo do Carmo e do seu aprendizado.

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