28/08/2017

A ATIVIDADE LABORAL (LÍCITA E CONTÍNUA) COMO MEIO PARA RESSOCIALIZAÇÃO DE APENADOS

Autor: João Bispo Serejo Filho, Vice-Presidente – Comissão de Acompanhamento das Vítimas de Violência – OAB/MA

RESUMO

Este trabalho pretende apresentar a Ocupação laboral, de caráter lícito, e de forma contínua como ferramenta de ressocialização de apenados. Destaca-se a questão da atividade laboral, em seu conceito e praticidade, com ênfase para colaboração na ressocialização de apenados do sistema prisional brasileiro e maranhense. Examina a possibilidade de oferecer oportunidade de emprego para detentos, ou ainda o aproveitamento da mão-de-obra de presos na execução de obras e serviços públicos. Ressaltando a necessidade de que, para ter eficácia, essas oportunidades não devem ser esporádicas ou temporárias, mas permanentes e contínuas para que, o apenado possa adquirir a cultura e o entendimento de que o trabalho seria a melhor forma de prover sustento, pois atualmente o conceito de trabalho é visto dentro das unidades prisionais meramente como uma forma de encurtar as penas e obter mais rapidamente a liberdade.

Palavras-chave: Ocupação. Emprego. Trabalho. Pena. Ressocialização.

 

ABSTRACT

 

This work intends to present labor Occupation, lawful character, and continuously as resocialization of convicts tool. Highlights the issue of labor activity in its concept and practicality, with emphasis on collaboration in the rehabilitation of inmates and Maranhão Brazilian prison system. Examines the possibility of providing employment opportunities for inmates, or the exploitation of labor of prisoners in the execution of public works and services. Underscoring the need for that to be effective, these opportunities should not be sporadic or temporary, but permanent and continuous so that the convict can acquire the culture and the understanding that work is the best way to provide sustenance, because currently the work is seen within the prisons merely as a way to shorten the feathers and get freedom soon. Keywords: Occupation. Employment. Work. Pena. Resocialization.

 

1 INTRODUÇÃO

O alto índice de violência registrado no Brasil coloca em destaque o nosso sistema prisional, e em especial do Maranhão recentemente. A mídia, em geral, noticia rebeliões, motins, mortes e tumultos motivados, entre outros, pela superlotação e falta de estrutura dos presídios, que têm precária assistência: social, educacional, jurídica, médica, e principalmente, ociosidade por parte da comunidade carcerária, que leva, na maioria das vezes, ao envolvimento com tráfico e organizações criminosas instaladas dentro das próprias prisões.

A Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984), adotou como finalidade da pena, o objetivo de reprimir, prevenir e ressocializar, a fim de que, os presos possam retornar de forma pacífica ao convívio social externo.

Sabe-se que o labor possui um sentido útil à sociedade, pois é a via através da qual a pessoa satisfaz suas necessidades básicas, busca a sua autoestima, subsistência, capacidade de sociabilidade, entre outros. Sob esse prisma, pode-se considerar que, o trabalho do apenado, realizado através da assistência do Estado e da sociedade durante a execução de penas privativa de liberdade, constitui um meio capaz de permitir o retorno dos presos ao convívio social de forma pacífica.

Portanto, o presente trabalho objetiva analisar o acesso ao trabalho como alternativa de ressocialização do preso. Especificamente, pretende-se mostrar que, se os presidiários tivessem maior acesso a oportunidades de ocupação e aprendizagem de profissões, teríamos menos reincidências e menor número de conflitos dentro das prisões.

 

2 Conceitos

O labor não pode ser considerado como mera fonte de riqueza capitalista, já que desempenha um importante e decisivo papel no processo de humanização do homem, desenvolvendo competências na reabilitação para a reinserção social de apenados.

O sistema prisional brasileiro, conforme documento da ONU de 1955, estabeleceu em 11 de novembro de 1994, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, através da Resolução n° 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), referentes às questões de alimentação, assistência médica, disciplina, contato dos presos com o mundo exterior, educação, direito ao voto e, em especial ao trabalho, tema destacado nesse trabalho (DUARTE, 2008).

No âmbito do trabalho de presos, essas Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil ditam as garantias, condições, necessidades, oportunidades, precauções, acidentes, doenças, jornadas, remuneração, indenização, família, entre outras questões voltadas para o trabalho de presos.

2.1 A pena privativa de liberdade

A pena do tipo privativa de liberdade é uma forma de punição institucionalizada. O ordenamento jurídico brasileiro dita que, a prisão pode ser de duas espécies: a prisão sem pena e a prisão decorrente de condenação. Este trabalho abordará com mais realce a ocupação dos presos dentro da segunda espécie.

A prisão-pena é imposta ao agente do crime, considerado culpado, como forma de repressão, retribuição ao delito praticado e em especial como meio para que, recupere as condições básicas de sociabilidade, para retomar sua liberdade.

Logo, a prisão constitui-se uma pena que abstrai do homem o direito à liberdade em função e proporção do delito cometido, ficando o réu sob a custódia do Estado até o sinal de cumprimento. Na opinião de Beccaria (1997, p. 104), atualmente, “a prisão é mais um lugar de suplício que de custódia do réu”.

Esse tipo de pena privativa de liberdade quase sempre caminhou junto ao trabalho penitenciário, atrelado à idéia de vingança ou mesmo de castigo, e até mesmo na pena de prisão simples, pode ser encontrado: “Art. 6º [...] § 2º O trabalho é facultativo, se a pena aplicada, não excede a quinze dias”. Ou seja, o trabalho torna-se obrigatório se a pena ultrapassar quinze dias de reclusão.

2.2 A função da Pena dentro da Lei de Execução Penal

A Lei de Execução Penal preocupa-se com o perfil dos estabelecimentos penais, conforme as condições e peculiaridades de cada indivíduo, mas trata também: da assistência (material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa); do trabalho interno e externo; dos deveres, direitos e disciplina; das sanções e recompensas; dos órgãos da execução penal; da execução das penas em espécie (da remição); da execução das medidas de segurança; e dos incidentes de execução.

Há alguns aspectos que orientam para a ressocialização ou reintegração do preso à vida social, dentre os quais destacamos o trabalho de detentos, como elemento constitutivo no processo de ressocialização, visto que o seu escopo, de acordo com a Lei de Execução Penal, contido no Capítulo III, Do Trabalho, voltado especificamente para a questão da reeducação social com fins educativos e, também, produtivos. Para esse instituto, a Lei dedicou capítulo especial, in verbis:

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

  • 1.º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.
  • 2.º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho (VADE MECUM, 2006, p. 1.314, grifo nosso).

Observa-se que, o trabalho prisional constitui-se um dever social de incumbência do Estado de dar trabalho ao preso em cumprimento de pena privativa de liberdade, mas também, um direito social devidamente previsto no art. 6º da Constituição Federal.

O apenado, não tem direito só ao trabalho, mas também à sua remuneração:

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

  • 1.° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:
  1. a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
  2. b) à assistência à família;
  3. c) a pequenas despesas pessoais;
  4. d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.
  • 2.º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade (VADE MECUM, 2006, p. 1.314, grifo nosso).

 

A legislação determina que, a gratificação pelo trabalho do apenado não deva ser menor que 3/4 do salário mínimo vigente, tendo como destino, a indenização do dano, a assistência familiar, a cobertura de despesas pessoais ou o ressarcimento das despesas do Estado. Mirabete (2007) observa que a indenização do dano à vítima só deve ocorrer pela decisão judicial definitiva, inclusive quanto ao montante a ser indenizado, sendo proibido se não tiver sido proposto ou não ter sido julgado o processo da execução da indenização. Essa preocupação do legislador configura uma valorização do trabalho e o senso de justiça diante do preso, da vítima, da família, da sociedade e do Estado.

 

2.3 Do trabalho interno e Externo

A Lei de Execução Penal classificou o trabalho em dois tipos: o interno e o externo. A referida Lei considera o trabalho uma obrigação do preso condenado, diferentemente do preso provisório.

Logo, pelo dispositivo, o apenado tem o dever de realizar o trabalho interno nos presídios. Esse trabalho se caracteriza pelas atividades operacionais de manutenção do sistema penitenciário. Porém, Horcaio (2008) adverte que apesar do dever de trabalhar, a obrigação não pode desconsiderar a proibição constitucional de aplicação de trabalhos forçados, sob qualquer pretexto.

Sobre a jornada de trabalho, a Lei de Execução Penal discorre que não será menor que 06 (seis) nem mais que 08 (oito) horas, com direito a descanso semanal ou horário especial para detentos que prestam serviços de conservação e manutenção das cadeias, conforme dita a legislação:

Art. 33. A jornada normal de trabalho não será inferior a 6 (seis) nem superior a 8 (oito) horas, com descanso nos domingos e feriados.

Parágrafo único. Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal (VADE MECUM, 2006, p. 1.314).

O Estado pode, conforme o § 2º do art. 34, da Lei em tela, realizar convênio com empresas privadas, para instalação de oficinas e escolas de trabalho, referentes a setores de apoio dos presídios.

Sobre o trabalho externo, o Código Penal dispõe que: "Art. 34. [...] § 3.º O trabalho externo é admissível, no regime fechado, em serviços ou obras públicas", o que poderia acontecer, por exemplo, em projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). A mesma lei dispõe no art. 35, § 2º, que no regime semi-aberto é admissível a atribuição do trabalho externo, baseado na autodisciplina e no senso de responsabilidade do preso condenado.

A concessão desse benefício ao preso pode ser realizada ainda que, o mesmo tenha sido condenado pela prática de crime hediondo. Observa-se que não existe qualquer ligação entre o trabalho externo e a proibição legal à progressão de regime.

No encontro das leis, a Lei de Execução Penal se refere ao trabalho externo, in verbis:

Art. 36. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

  • 1.º O limite máximo do número de presos será de 10% (dez por cento) do total de empregados na obra.
  • 2.º Caberá ao órgão da administração, à entidade ou à empresa empreiteira a remuneração desse trabalho.
  • 3.º A prestação de trabalho à entidade privada depende do consentimento expresso do preso (VADE MECUM, 2006, p. 1.314).

O diploma em tela reforça o que é determinado pelo Código Penal, e dispõe ainda:

Art. 37. A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena.

Parágrafo único. Revogar-se-á a autorização de trabalho externo ao preso que vier a praticar fato definido como crime, for punido por falta grave, ou tiver comportamento contrário aos requisitos estabelecidos neste artigo (VADE MECUM, 2006, p. 1.314, grifo nosso).

Sobre 1/6 da pena, tratando-se de regime fechado, o cumprimento desse período “já permitiria ao condenado a progressão para o regime semi-aberto, mas, pode não ter sido ainda concedido o benefício pela ausência de outro requisito ou de providências demoradas do procedimento (exame criminológico etc.)”, sendo que, nessa hipótese, o trabalho fora da prisão pode ser deferido ao preso enquanto ele aguarda a transferência (MIRABETE, 2007, p. 107).  

 

2.4 Da remição da pena pelo trabalho prisional

A remição consiste em permitir ao preso, pelo trabalho, considerar cumprida parcialmente a pena, a partir da abreviação da mesma, sendo um direito privativo dos condenados que estejam cumprindo a pena no regime fechado (MIRABETE, 2007). Assim, se o apenado trabalhar durante três dias, ele terá antecipado em um dia, o vencimento de sua pena.

Sobre o instituto da remição da pena, a Lei de Execução Penal dita que:

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

  • 1.º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.
  • 2.º O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição.
  • 3.º A remição será declarada pelo Juiz da execução, ouvido o Ministério Público (VADE MECUM, 2006, p. 1.321).

A remição poderá ser contada para fim de outros benefícios, pois ela reduz o “tempo de duração da pena imposta ao condenado, devendo ser tida como pena cumprida, para outros efeitos, tais como, progressão de regime (art. 111 da LEP); livramento condicional e indulto (art. 128 da LEP)” (ARAÚJO, 2008, p. 2).

Sobre o tempo remido, dita a Lei: “Art. 128. O tempo remido será computado para a concessão de livramento condicional e indulto” (VADE MECUM, 2006, p. 1.321). Assim, o tempo remido não é computado somente para diminuir o cumprimento da pena, como já observado, mas também para conceder o livramento condicional e o indulto.

3 SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

O Direito Penal do Brasil possui vários motivos para discussão e reflexões. Quando o debate passa para a questão do sistema prisional, a ênfase é ainda mais acentuada. Se considerar, então, as mudanças ocorridas na sociedade nas últimas décadas, depois de editada a Lei Penal, datada nos anos 40, pode-se compreender as reivindicações sobre a necessidade de repensar esse sistema, que tem como principal destaque, a pena de prisão, privativa de liberdade.

São inúmeras as queixas sobre os abusos cometidos nas prisões, sejam nas delegacias, casas de detenção ou penitenciárias, que, em conjunto com morosidade dos processos jurídicos que arrolam anos nas gavetas dos tribunais, geram insatisfação tanto daqueles que estão reclusos como dos que estão no espaço extra-muro. Atrocidades ocorridas nos interiores das prisões não são novidades nem no Brasil, nem no mundo, de um modo geral.

3.1 Características da prisão brasileira

As prisões brasileiras vivenciaram sérias crises nos últimos anos. Crises de ordem administrativa, econômico-financeira, jurídica, entre outras, que vêm comprometendo as relações existentes dentro do sistema penal, em especial, as que se referem às questões humanitárias, mas também com reflexos externos.

No Maranhão, por exemplo, a imprensa noticiou a eclosão da maior crise da história, onde mais de 70 detentos foram mortos de 2013 até aqui, sendo 59 somente em 2013, conforme dados oficiais. Ativistas de movimentos sociais, familiares de apenados e agentes prisionais que acompanham a situação avaliam que o número pode ser bem maior.

Se de um lado tem predominado nas prisões brasileiras, a preocupação com a segurança, por outro, as precárias condições de estrutura (física, humana e material) também é um fator que contribui para aumentar o citado problema.

Dentre os problemas pelas precárias condições estruturais pode-se citar: superlotação dos presídios, promiscuidade, ineficiência judiciária, tratamento oferecido ao preso, violência, e em especial, a ociosidade,

A ociosidade dos presos na estrutura prisional é um dos fatores, entre outros, que contribui para o aparecimento de rebeliões e motins. “O preso ocioso é caro, inútil e nocivo à sociedade” (PORTO, 2008, p. 1). Essa situação contribui sobremaneira para a exacerbação da violência como forma institucionalizada e moralmente legítima de solução de conflitos.

O tratamento desumano dado ao preso é uma realidade a olhos vistos. Os abusos físicos e o uso excessivo da força, como é o caso das torturas para confissão, os maus-tratos rotineiros em nome da autoridade policial ou carcerária, a falta assistência médica, social e psicológica, as privações de direitos básicos e as humilhações, são algumas entre tantas outras situações ilegais na prisão. Por outro lado, assiste-se a altos índices de reincidência, a comercialização (ilícita) de de drogas, e influencia de facções, entre outras irregularidades por parte do preso.

3.2 O perfil do preso no Brasil

A Maioria é oriunda de camadas sociais pobres, pertencentes às famílias sem a mínima estrutura, sem acesso à educação e à formação profissional, vivendo de subempregos (ALVIM, 2008).

A grande parte dos presos é jovem, com faixa etária de 18 a 24 anos, que totaliza 117.931 pessoas, mas ao contrário do que se pensa a população negra não é a mais significativa, pois a prevalência é da cor de pele/etnia branca, com 149.774 e parda com 144.701 presos, assim como predomina os presos com Ensino Fundamental incompleto, no total de 167.185 (BRASIL. Ministério da Justiça, 2008).

As mulheres constituem um número pequeno da população carcerária, a maior parte delas é mãe, não existem políticas públicas para um tratamento adequado às mesmas, há um aumento do aprisionamento feminino por envolvimento com entorpecentes, com o tráfico de drogas, sendo usadas, geralmente, como “mulas” que transportam entorpecentes (ALVIM, 2008).

No aspecto do trabalho, as informações do Ministério da Justiça (2008) referentes à quantidade de presos em Programas de Laborterapia são de que: a nível de trabalho externo (fora do estabelecimento penal) existem 12.573 presos trabalhando em empresas privadas, 4.134 presos trabalhando na Administração Direta, 2.968 apenados exercendo algum ofício na Administração Indireta e 1.764 presos desenvolvendo trabalhos em outros segmentos não revelados; a nível de trabalho interno (dentro do estabelecimento penal), o número de preso no Artesanato é de 14.569 presos, no Apoio ao Estabelecimento Penal é 33.429 apenados, na Atividade Rural é de 3.288 presos e em outros segmentos não revelados é de 20.322 apenados.

 

4 O PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

Se a socialização faz parte da natureza humana, a ressocialização é a reintegração humanitária ao meio social. No sistema prisional, os preceitos da ressocialização estão inseridos na Lei de Execução Penal, uma declaração pública de adoção da função ressocializadora da pena de prisão, conforme se observa no dispositivo in verbis: “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (VADE MECUM, 2006, p. 1.312).

O Estado deve dispor de instrumentos que propiciem a reintegração do condenado à sociedade. Um desses instrumentos é a assistência ao preso, inclusive por meio da oferta de trabalho/emprego.

Observa-se o disposto da Lei de Execução Penal, no art°. 10: “A assistência do preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (VADE MECUM, 2006, p. 1.313). Logo, a legislação penal preocupou-se com a reintegração daqueles que violam ou infringem as regras de convivência social, onde o trabalho do apenado merece destaque. A Lei prevê a assistência da prevenção do crime e a ressocialização do preso, e nesse ponto não se pode dispensar a figura do trabalho.

A primeira assistência encontra-se voltada para a reeducação, a fim de conscientizar o preso do malefício do crime, e a segunda assistência requisita um tratamento que crie condições de readaptação social. É importante salientar que as medidas assistenciais são os primeiros passos dados pelo Estado em direção à amenização do “estado de desumanização”, dispensado aos presos condenados.

 

4.1 Relação entre trabalho e ressocialização

A atividade de labor, no decorrer da execução da pena,  traz como principal vantagem, a ressocialização. No exercício laborativo, a execução da pena é observada com uma finalidade reabilitadora e de reinserção social, com destaque para o sentido pedagógico da mesma (MIRABETE, 2007).

Entende-se que através de uma ocupação, o preso pode aliviar as tensões geradas pelo aprisionamento, deixando esvair a idéia da prisão tal qual ela é no cotidiano. Um outro sentido interessante é dado pelo trabalho enquanto atividade pela qual o preso pode demonstrar que está passando pelo processo de recuperação, na medida em que o mundo do trabalho confere ao preso um tratamento diferenciado em relação aos outros companheiros, bem como os isola de uma massa prisional considerada irrecuperável.

Com o acesso ao trabalho, é possível dar ao apenado, meios efetivos de prover, através do seu ofício, as suas necessidades e as de sua família, após a sua saída da prisão.

Os detentos que exercem atividades laborativas no presídio, principalmente de maneira permanente e contínua, têm oportunidade de manter uma comunicação com o mundo exterior, acompanhar o que ali acontece. Isso lhes dá chance de serem bem considerados pelo contingente de carcerários, visto que tem certo poder para prestar favores aos companheiros de cárcere, sobretudo porque o colaborador da burocracia estabelece boas relações com os diferentes funcionários do presídio.

Uma outra vantagem para o preso é a remição, segundo Penna (2007, p. 66):

 

De fato, sendo a remição, em sua essência, um “prêmio” auferido por quem se utiliza, no meio prisional, de instrumento apto à ressocialização, não há porque fazer tal distinção, como o fez a LEP. Tem-se entendido que o objetivo ressocializador perseguido pela pena pode ser até mais facilmente alcançado através do estudo e do aperfeiçoamento profissional do preso.

 

O trabalho na execução penal tem a finalidades educativas e produtivas. Estas finalidades, quando executadas em conjunto, tendem a reforçar as potencialidades laborais dos presos, ensinando-lhes algum ofício, que poderá ser utilizado depois de cumprir a pena privativa de liberdade.

No aspecto da motivação, sabe-se que o preso não pode ser impulsionado pelo Estado a realizar o trabalho externo, se considerar o paradigma do Estado Democrático de Direito, “pois seria repugnante querer modificar a personalidade de uma pessoa sob o pretexto da necessidade de ressocialização” (GOMES, 2003, p. 2). Logo, ele deve ser motivado para o trabalho, a partir da conscientização dos benefícios que o mesmo traz para si e sua família, principalmente no aspecto da ressocialização.

Assim, o trabalho realizado pelos presos não deve ser somente um mecanismo para promover a sua remição da pena, mais o principal meio de  readaptação e evitar a ociosidade. Deve ser principalmente uma forma de valorização do homem, pela importância que tem o trabalho na vida do ser humano.

A considerar os dados do Ministério da Justiça (2008) sobre a população prisional no Brasil, com mais de 392.000 presos internados, a quantidade deles em Programas de Laborterapia é pequena, um pouco mais de 21.400 desenvolvendo trabalho externo e de 71.600 apenados exercendo trabalho interno, representando 5,5% e 18%, respectivamente do total de presos internados. Logo, o exercício de atividade laborativas passa a ser uma regalia desfrutada por poucos presos.

5 O trabalho Contínuo como instrumento de ressocialização de apenados no Brasil e Maranhão

Destacamos aqui, que indiscutivelmente o trabalho é a melhor forma de ressocializar apenados. Todavia, cumpre ainda salientar, como o trabalhado deve ser oferecido e executado pelos presos, dentro e fora das cadeias.

Se fora da cadeia, tem-se a cultura que o trabalho edifica o homem, por que não pensar da mesma forma dentro das cadeias, onde mais do que em qualquer outro lugar precisa-se de dignidade?

Deve-se adquirir a cultura de que, o trabalho deve ser realizado pelo preso, no intuito de propiciar a sua ressocialização, e não apenas para abreviar a pena, como é comumente visto nas unidades prisionais.

No maranhão, por exemplo, criou-se a Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária em 2011, que tratou de implantar filosofias essencialmente de ressocialização para a comunidade carcerária.

Naquela época foram inauguradas unidades, onde os presos tiveram oportunidade de aprender e praticar várias profissões dentro da prisão, o que inevitavelmente reduziu a quantidade de mortes e rebeliões dentro das cadeias maranhenses.

Tal fato mostra que, a segurança e a paz dentro dos presídios não depende exclusivamente da quantidade de armas e policiais, mas de oportunidades para que os presos se ocupem com atividades lícitas e continuas. Pois o apenado precisa aprender a ver o trabalho com uma oportunidade de ser alguém melhor, para posteriormente retornar ao seio da sociedade e contribuir para o progresso do País.

Percebemos ainda que, tais oportunidades precisam ser duradouras, pois não se pode admitir que, um preso condenado há vários anos, trabalhe apenas por alguns meses dentro da prisão, é necessário que o encarcerado comece e termine a execução de sua pena trabalhando sempre, para que assim, possa se acostumar com uma vida honesta.

 

5 O Maranhão como contraste de exemplos:

O Estado do Maranhão ganhou grande destaque na mídia local, nacional e mundial diante da grande crise que aconteceu entre os anos de 2013 e 2014, onde mais de uma centena de mortes foram registradas dentro das Cadeias Maranhenses.

Tal retrospecto nos leva a apontar o Maranhão como o exemplo a NÃO ser seguido, onde o Poder Público perdeu completamente o controle das unidades prisionais e os detentos passaram a praticar, dentro do sistema, os mesmos crimes que, outrora realizavam nas ruas, tais como: homicídios, tráfico, extorsão, ameaças e porte ilegal de armas.

Todavia, essa realidade não pode ser considerada como ícone perpétuo da Administração Penitenciária no Maranhão, pois pouco antes dessa época, o Estado foi considerado como referência de boa gestão de presos e cadeias.

Entre os anos de 2011 e 2013, a recém-criada Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária do Maranhão foi conduzida por uma equipe sem vínculos policiais e que, priorizou a ocupação do preso, como forma de reduzir as ocorrências dentro dos presídios.

Nos três anos em que, a administração da Secretaria foi conduzida pelo Advogado Sérgio Tamer, o número de homicídios foi reduzido em quase 90%, resultado obtido em função de medidas de prevenção como a separação de grupos rivais nas diversas unidades e o vídeo-monitoramento exercido por meio de mais de 100 câmeras instaladas que intimidam qualquer ação ilícita nos presídios.

Por outro lado, as ações de ressocialização, por meio do trabalho e ocupações licitas permitiram até mesmo a exposição de obras de artes assinadas por detentos em um Shopping da Ilha de São Luís/MA, assim como a abertura do Festival de Cinema de Direitos Humanos por um Coral de Vozes formado por presos. A arte substituiu a violência, a rebelião (e mortes) em menos de três anos da gestão Sérgio Tamer na Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária. E esse foi um estágio de evolução que não seria imaginável em outros tempos.

Evidente que, esse não foi um trabalho que se realizou isoladamente, pois, houveram parcerias firmadas com o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e as Secretarias de Educação e Saúde.

Outra medida importante era a existência, naquela época, no Sistema Penitenciário do Maranhão, de um Plano Estadual de Educação que atendia centenas detentos e um Núcleo de Assistência à Saúde na Penitenciária de Pedrinhas que atendia dezenas de presos em um só dia.

Após a saída de uma administração com perfil de garantismo e ressocialização, as unidades sofreram uma profunda intervenção policial, onde a gestão superior passou a ser exercida por membros da Polícia Civil e a gestão dos presídios passou a ser responsabilidade da Polícia Militar e Vigilantes Terceirizados, sem mais o acompanhamento dos agentes penitenciários de carreira.

A consequência não poderia ser outra, em um ambiente onde os apenados deixaram de trabalhar para sofrer, juntamente com seus familiares, uma espécie de inquisição: Dezenas de Rebeliões e Centenas de Mortes e menos de dois anos.

 

Assim, o pouco tempo de existência da Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária do Maranhão, serve para mostrar que, assim como exposto nesse trabalho, o maior investimento dentro das cadeias brasileiras deve ser feito, para que, os apenados tenham acesso a uma ocupação licita e contínua, para que, não voltem a delinquir no interior das cadeias e possam voltar ao convívio pacífico perante a sociedade.

6 CONCLUSÃO

Dessa forma, concluímos que, o estado precisa investir, assim como investe na construção e reformas de suas unidades prisionais, em projetos que possam dar ao preso a oportunidade de ter uma ocupação lícita e contínua, e não somente trabalhos esporádicos forjados as vésperas de saídas temporárias e outros benefícios.

Por outro lado, não é aconselhável que se amontoe dezenas de presos ociosos em celas apertadas e sujas, sem que se oportunize a saída para ter experiências com ocupações laborais.

Sugerimos ainda, a utilização da mão-de-obra dos apenados em serviços e obras públicas, pois aí teríamos além do benefício social, um grande benefício econômico, pois as licitações se tornariam menores e mais baratas aos cofres públicos, tal medida poderia ter sido adotada nas obras da copa do mundo de 2014, e pode ainda ser utilizada nas obras das olimpíadas de 2016. 

Assim, defende-se a inclusão dos presos no mercado de trabalho, por meios de políticas concretas dentro das unidades prisionais, ou seja, a pena precisa se impor como uma espécie de estágio para o convício social pacífico e não como uma universidade do crime como se vê atualmente em todos os estados do Brasil.

REFERÊNCIAS

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