30/09/2019

A PRISÃO DAS PEDRAS

Autor: Por Daniel Blume, Advogado

Era sábado à tarde. Baixado o mormaço, depois do sorvete de tapioca, resolvi bater perna no Centro com as minhas meninas, quando de conversas e lembranças, nas idas e voltas pelas ladeiras e escadarias de São Luís. Passamos por Pedro II, Benedito Leite e João Lisboa. Da Rua do Sol à Paz.

Lembrei e comentei. Em 2009, escrevi em poema que as pedras do Centro Histórico de São Luís clamam por livramento de sua prisão asfáltica.

Na época, falei mesmo de salvo conduto político-administrativo, do reconhecido Patrimônio Mundial da Humanidade, bem assim de “habeas corpus” (do latim, ‘que tenhas o corpo’). Afinal, as pedras de nosso chão representam nossos ossos, suor e sangue.

Aqui, não falo apenas de um passado saudoso ou nostálgico, das carruagens ou dos bondes. Não! Falo especialmente do futuro.

Passada uma década, repito que todas as nossas ruas antigas devem ostentar suas originárias pedras de cantaria, das que cuidam as obras de Josué Montello, José Chagas, Nauro Machado, Jerônimo Viveiros, Mário Meireles e Jomar Moraes. Mais recentemente, Waldemiro Viana, Sonia Almeida, Luiz Phelipe Andrés, Ana Luiza Ferro, Antônio Noberto, Antônio Aílton e Eulálio Figueiredo. Poderia citar dezenas de historiadores e escritores.

Os velhos paralelepípedos ainda estão em chão ludovicense, no mesmo local de origem, apesar de emudecidos por um progresso e chapiscados de piche.

De início, as pedras vinham da Europa como lastro das naus, que as deixavam para serem utilizadas nas construções, regressando cheias de produtos tropicais e manufaturas. São estas pedras talhadas de cantaria que se espalham por calçadas e ruas do centro da capital do Maranhão, algumas há mais de 400 anos.

O resgate das pedras é medida possível. Basta vontade, iniciativa, raspagem e limpeza. A manutenção, inclusive, é bem mais barata do que sucessivos e dispendiosos asfaltamentos.

A má qualidade da película de capeamento, não raramente, revela que as pedras persistem. Do desgaste do asfalto, emergem nossas rochas. As pedras permanecem e traduzem a gente brasileira, maranhense e ludovicense, de coro francês, holandês, português, africano e indígena.

A alforria é possível sem prejuízo da circulação de veículos, como se dá no Desterro, um dos bairros mais antigos da Ilha.

Outro bom exemplo é Guimarães. Cidade similar a São Luís, conforme testemunhei. Berço de Portugal, terra de Dom Afonso I, o Conquistador. Lá, as pedras portuguesas permanecem. Remetem ao passado com vistas no futuro, o que se repete em veias longevas de Lisboa, Porto, Amsterdam e Barcelona. Uma sábia tendência. Tudo muda, exceto a mudança, que pode ter o formato elíptico de retorno.

Lembro, agora, do livro “Apanhados do Chão”, pelo qual Chagas diz que “o chão de São Luís é poeira de história”. Pedra que é raiz fincada em memória. No chão maranhense, está a fonte do quanto se pense sobre a Cidade, do quanto se diga de verdade ao povo, pela voz antiga de um silêncio novo.

Espero que não esperem mais uma década. As pedras de nossa história precisam de resgate.

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