07/03/2018

A SALA DE MÁQUINAS

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Tivemos a sorte de ter como expositor na aula inaugural da Escola Superior de Advocacia da Secional do Maranhão das Ordem dos Advogados-OAB, o professor Thiago Aguiar de Pádua, mestre e doutorando, assessorou o Supremo Tribunal Federal-STF e o Conselho Federal da OAB. É docente em várias instituições de ensino em Brasília, nas áreas do Direito Constitucional e do Civil. Seus textos são publicados em importantes sites jurídicos do país, entre eles, o de Lênio Streck. A última publicação versou sobre a obra do alemão Otto Bachof (1914-2006), e suas contribuições para o protagonismo exercido pelos ministros da Corte Suprema.

A conferência do professor Thiago insere-se em nosso projeto de abordar a Carta Magna, os pontos positivos e os negativos, ao longo de trinta anos de vigência. Antes, tivemos a extraordinária aula do professor José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, educador por vocação, atualmente exercendo as funções de Secretário Estadual de Educação de São Paulo. Foram dois momentos excepcionais.

Abrindo a exposição, Thiago de Pádua, situou a questão no âmbito do Direito Comparado, das constituições filiadas ao sistema romano-germânico, é o caso da nossa; e das que se vinculam ao sistema common-law, Inglaterra, suas ex-colônias, e Estados Unidos. Neste, a Corte Suprema é a fonte por excelência do Direito Constitucional, enquanto naquele é o Poder Legislativo. Não se pode perder de vista que o mundo está cada vez mais integrado e as influências se fazem de lado a lado. O modelo anglo-americano repercute no nosso e vice-versa. Importa mesmo é suscitar razões históricas e culturais que incidem sobre os países da América Latina na sua prática constitucional.

Para tanto, invocou o jurista argentino Roberto Gargarella e a sua tese a respeito da Sala de Máquinas das constituições latino-americanas e a vedação da entrada da população. No caso brasileiro, a primeira Constituição do país independente, a de 1824, mesmo a representação limitada não pôde ser exercitada. Mereceu a outorga do Imperador Pedro I, que se apresentava como o tutor das liberdades, em quadro de monarquia constitucional.

Veio a República, e a escrita permaneceu. Ruy Barbosa redigiu de próprio punho a Constituição de 1891, aprovada pelos marechais e por um grupo muito restrito. O povo a ignorava.  Adveio a Revolução de Trinta e a primeira Carta Republicana, foi substituída pela de 1934, obedecendo ao mesmo procedimento de elaboração. Em 1937, o ditador Getúlio Vargas outorgou nova Constituição, recepcionando princípios nazi-fascistas dominando o mundo de então.

Derrotado o nazi- fascismo em 1945, derrubado o ditador Getúlio Vargas pelas Forças Armadas, convocou-se Assembleia Nacional Constituinte, promulgando-se a Constituição de 1946 por semelhante processo. Durou até o golpe de 1964. A partir daí o país passou a ser regido por atos institucionais, as anti-constituições, incluindo as tentativas de 1967 e 1969.

O acordo de cúpula que resultou na eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, continha o compromisso da Convocação de Assembleia Nacional Constituinte. O cumprimento deu-se pelo velho caminho, transformando-se o Congresso Ordinário em Constituinte. Ciosa de suas prerrogativas a Assembleia não acolheu o Anteprojeto Afonso Arinos, resolveu elaborar texto próprio.

Como a de 1946, a Constituição de 1988, recepcionou as reivindicações dos setores organizados da sociedade, principalmente das corporações, atuantes na defesa de suas prerrogativas e direitos. Mas é inquestionável que a sala onde se fez a Constituição permaneceu inacessível para a população, continuando a tradição da América Latina. Apenas dela? Não. A Constituição dos Estados Unidos de 1787, elaborada por um grupo de iluminados maçônicos foi um documento produzido por George Washington, Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton, James Madison, inspirado nos ideais do enciclopedismo, expresso nas Declarações de Direitos, posteriormente incorporadas. Não teve ampla participação popular na sua confecção, baseava-se no princípio da igualdade de todos os homens, preocupava-se precipuamente em manter o pacto federativo. Depois que entrou em vigor em 1789, com sete artigos, recebeu 27 emendas, na maior parte de proteção dos indivíduos em relação ao poder, e de incorporação dos valores de maior justiça.

As eleições americanas são a maior prova de que na representação, o que prevalece é a Federação. Os eleitores do Presidente da República representam o pacto federativo, que por vezes contraria o voto popular, como ocorreu na última eleição.

A Suprema Corte dos Estados Unidos, como guardiã da Constituição, volta-se sempre para a proteção dos direitos contemplados pela “Bill of Rights” das emendas, conciliando-as com o preceito do federalismo. O nosso Supremo, é tribunal constitucional e última instância ordinária ao mesmo tempo. Em uma reforma, convém reduzir-lhe as competências, reservando-lhe a função primordial de guarda da Constituição.

No momento há profundas discordâncias entre seus membros acerca do real entendimento de um texto fundante. Thiago de Pádua acentua que em todas as experiências, o acesso à sala de maquinas onde se fazem as constituições é restrito. Assim, não importa como foram elaboradas, e sim, como os seus destinatários podem dela participar.

Baseado no alemão Otto Bachof, concluiu que para evitar a politização da Justiça, é conveniente dar aos ministros da Suprema Corte um mandato temporário. É para anotar.

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