17/07/2017

Anomia e Justiça

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

A expressão anomia, empregada com frequência pela Sociologia do Direito, especialmente por Émile Durkheim, da escola funcionalista francesa, significa a ausência ou o excesso de normas regulatórias regedoras das condutas dos indivíduos de determinada sociedade. Recentemente veio a ser empregada pelo advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, no momento exercendo a defesa do presidente Michel Temer, nos procedimentos que lhe são movidos pela Procuradoria Geral da República. Sobre o comentário do causídico paulista, cumpre dizer, pelo menos no plano formal, o país não se pode queixar de escassez normativa, ao contrário, há excesso. A eficácia sim, esta é baixa no respeitante ao seu cumprimento de parte dos cidadãos.

As causas de descumprimento das leis têm raízes históricas, remontam a colonização e transitam pela emancipação política, permanecendo no Império e na República. As elites se situam acima das leis, as descumprem, impondo-as ao restante da sociedade, sobretudo aos grupos mais fracos economicamente, cultural e socialmente. Pode-se até afirmar tratar-se de tradição ibérica, herdada de Espanha e Portugal. Mas aqui nos trópicos hipertrofiou-se.

Na abordagem de Durkheim há também relação com o estágio de moralidade das elites. Se estas têm baixa moralidade, repercute no acato ao jurídico, afinal, tantos as normas morais quanto as de Direito originam-se no mesmo leito, a sociedade. O problema não é exclusivamente brasileiro, afeta o mundo ocidental, variando as manifestações na conformidade das identidades nacionais. Povos e pessoas enfrentam a crise da falta de sentido dado por valores. Os existentes não são acatados, os novos encontram-se em formação.

Especificamente no campo jurídico, há confusões que merecem ser desfeitas. Não se pode confundir o Estado com o governo, este é passageiro e passa pelo crivo de escolha e de sua retirada pelos cidadãos. Aquele é permanente, desenvolve funções e atribuições a serem preservadas, qualquer que seja o partido no exercício do governo.

A Procuradoria da República, enquanto órgão do Estado, tem finalidades previamente definidas na Constituição Federal, exerce-as independentemente do governo. A nomeação do Procurador-geral obedece a procedimento previamente previsto na Lei Maior. Não exerce atribuições jurisdicionais, cumpre-lhe o exercício de suas atividades específicas.

Não deve por outro tanto merecer críticas arrimadas em motivações partidárias, o mesmo se pode afirmar em relação ao Poder Judiciário.  De uma sentença, se pode e deve divergir, por meio dos recursos, na conformidade do devido processo legal. Sem jamais pôr em xeque a instituição. Primeiro, por se tratar de atentado contra democracia e as suas regras. Segundo, porque a palavra final sobre a demanda é dada pelo Supremo Tribunal Federal, e esta poderá estar de acordo com os que agora pretendem deslegitimar a decisão.

A advocacia, instituição indispensável a existência da democracia e do Judiciário, deve exercer as suas tarefas, com o respeito ao Judiciário e a Procuradoria. Argumentando o que lhe cumpre na defesa, de demonstrar a fragilidade ou insuficiência das provas e demais argumentos favoráveis ao acusado, sem esquecer que o acato e consideração às instituições é fundamental para o futuro do Estado de Direito, e por via de consequência, da própria sociedade democrática.

Os meios e recursos tecnológicos atuais, a proliferação das mídias, ampliaram a percepção dos ilícitos de parte do corpo social, permitindo a formulação de convicções, de juízos antecipados nem sempre correspondente a realidade dos fatos. Depois de anos de exercício profissional, à luz da experiência posso afirmar: devemos aguardar a finalização dos processos, isto é, até o julgamento da última instância, o Supremo Tribunal Federal.

Já vi processos em que que a prova dos autos não corresponde à realidade dos fatos. Outros em que as notícias dos meios de comunicação não guardam relação com a verdade dos autos. É prudente e de boa ética, aguardar e respeitar o devido processo legal até chegar-se à decisão final.

A anomia suscitada pelo advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira é fenômeno onipresente em todas as sociedades. A única forma de superá-lo é o devido respeito às instituições do ministério público, do judiciário e da advocacia. Por ele poderemos até atingir o ideal de realização da Justiça.

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