09/04/2018

As Narrativas da Prisão

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Pela primeira vez, no Brasil, um ex-presidente da República é condenado e preso por delito comum.  Seria mesmo comum o delito? O episódio mereceu ampla cobertura do noticiário nacional e internacional. Os canais noticiosos de assinatura repercutiram-no durante o dia inteiro. Após a instalação do regime autoritário, os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart responderam a Comissões de Investigação, formadas para apurar a origem do seu patrimônio. Eram órgãos do Poder Executivo, e não obedeciam aos trâmites do devido processo legal, ao final, foram arquivadas as denúncias processos, e nada foi apurado. Nos casos dos processos da Lava Jato foram aplicados preceitos das normas específicas e da legislação processual ora em vigor.

Na Primeira República, o marechal Hermes da Fonseca, ex-presidente da República, foi aprisionado por razões políticas em 2 de julho de 1922. Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, logo após a deposição. Artur Bernardes, em setembro de 1932, por apoio ao movimento constitucionalista de São Paulo. Juscelino Kubitschek, em 13 de dezembro de 1968, por oposição ao regime de 64.  E agora, a prisão do ex-presidente Lula é relatada na perspectiva de diversas narrativas. Uma da mídia, sensacionalista, buscando elevar os índices de audiência, outra, dos seus aliados, buscando auferir resultados eleitorais. Indubitavelmente, o ex-presidente exerce expressiva liderança que poderá influir nos resultados do próximo pleito presidencial.

O seu palanque é enormemente disputado, como foi, no Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, nas horas que antecederam a sua apresentação à Polícia Federal, para cumprir o mandado exarado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela Operação Lava Jato. Além da narrativa da mídia e dos aliados, qual seria a compreensão do cidadão, na média, sobre o assunto?  A indagação inicial: o processo que o julgou foi político? Nada que tenha sido produzido por órgão do Estado, como é uma vara judicial, deixa de ser político, tal como as denúncias do ministério público. Não devem é estar a serviço de correntes partidárias. O juiz, o ministério público, só podem ter um partido, o da Constituição e das leis que interpretam a aplicam.

O Brasil não vive atualmente em um regime de exceção. Os Poderes da República funcionam livremente, e as instituições operam de igual modo. A imprensa submetida a interesses, como em todas as partes do mundo, goza de liberdade. Não está sujeita a interdições e censuras.

Também é inquestionável, a sociedade brasileira, dividida em classes sociais, é marcada por desigualdade profundas. Os chamados operadores do Direito refletem essas desigualdades, com reflexos em suas atividades. A mesma lei, não obstante o pressuposto formal da igualdade, sofre interpretações conflitivas, na dependência dos interesses econômicos em jogo.

A disparidade das interpretações conduz a uma questão nuclear: a lei aplicada fez a justiça devida no caso concreto?  No caso concreto da ação que condenou o ex-presidente Lula, não obstante desconhecer os autos, convém suscitar alguns elementos sociológicos indispensáveis à compreensão dos fatos. Algumas reflexões são inevitáveis: era costume memorial os empreiteiros presentearem os governantes, presidentes, governadores e prefeitos. Não é necessário citar nomes, os exemplos são notórios e públicos. Pelos costumes era a prática rotineira, digamos tratar-se de norma costumeira.

A ser verdade a existência desse presente, como se justifica só agora a prática venha a ser penalizada, desconsiderando todos os casos anteriores semelhantes. Invoco aquele conhecido brocardo, citado por Jean Cruet, no clássico “ A Vida do Direito e a Inutilidade das Leis”: todos os dias se vê a sociedade mudando as leis, nunca se viu as leis mudarem a sociedade.

Que houve o processo legal e aplicação da lei no caso do ex-presidente Lula é indubitável, mas o principal é saber se realizou-se a justiça na aplicação da norma jurídica. Nem sempre aplicação da lei consegue fazer a justiça no caso concreto.

Penso que o acato ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, às instituições do Estado, é responsabilidade dos que atuam na esfera jurídica, da sociedade e dos cidadãos de um modo geral. Se não estamos satisfeitos com as leis postas, façamos as mudanças nas instâncias devidas, enquanto isso não ocorre, cumpramo-las. Há urgente necessidade de profundas alterações na legislação constitucional e na infraconstitucional.

O desafio é consolidar as instituições democráticas do Estado. A sociedade mudou, a sensibilidade ética da população progrediu, está a exigir a necessária a adequação da legislação correspondente. As narrativas da prisão do ex-presidente Lula dos pontos-de vista dos partidos que o apoiam, e dos interesses da mídia, são visíveis. Importa agora é trabalhar a narrativa na perspectiva do cidadão e da sociedade brasileira.

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