06/08/2018

Efemérides Caxienses

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Decorridos vinte anos, as emoções se renovaram na visita que semana passada fizemos a Caxias, cidade que irradia cultura e poesia. Comparecemos ao seu Instituto Histórico, presidido pelo desembargador Artur Almada Lima Filho, nosso confrade na Academia Maranhense de Letras Jurídicas, para o lançamento de três títulos da Biblioteca Básica Maranhense, que tem por finalidade a divulgação de trabalhos de interpretação do Maranhão.

O presidente do Instituto Histórico passou a direção dos trabalhos da sessão ao seu membro efetivo, o Reitor do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão-IEMA, Jonathan Almada, que discorreu sobre o significado do lançamento dos livros e da Revista do IEMA em solo gonçalvino. O poeta Antônio Gonçalves Dias, nascido na cidade em 10 de agosto de 1823, foi fundamental para a formação da identidade cultural do Brasil. Ao contrário do que possa imaginar o senso comum, não era somente poeta, mas emérito pesquisador, etnógrafo, integrante de diversas missões científicas no interior do país e no exterior. Deixou trabalhos de elevado cunho científico, e não fora a precoce morte, no naufrágio do Ville de Boulogne, em 3 de novembro de 1864, o legado seria ainda maior.

Sua biografia intelectual revela a perfeita compatibilidade entre a formação técnica e a humanística, valores agregados pelo projeto pedagógico do IEMA, contemplando inclusive uma Oficina com o seu nome para ativar os estudos da língua portuguesa.

A memória e o coração retornaram a 9 de julho de 1998, quando estive em Caxias para uma homenagem prestada a professora Laura Rosa, uma das figuras das mais reverenciadas pelos educadores da cidade. Àquele tempo exercia a Secretaria Municipal de Educação o professor Raimundo Palhano, desenvolvendo projetos inovadores. O presidente da Academia Maranhense de Letras, Jomar Moraes, estava presente naquela comovente solenidade em que a professora Erlinda Bittencourt declamou os versos da poetisa Laura Rosa “Esqueleto de Folha”.

Laura Rosa, a primeira mulher a ingressar na Academia Maranhense de Letras, fundou a cadeira nº 26, patroneada por Antônio Lobo, que fora seu professor. Exerceu papel relevante em minha infância. Passava temporadas em nossa casa, por conta da amizade ao meu tio materno, cônego Antônio Bonfim. Ensinou-me francês, a ler melhor o português, e algumas regras de etiqueta social. Era uma extraordinária contadora de estórias e de casos da vida política e literária do Maranhão. Combativa jornalista, ficcionista da melhor qualidade evidenciada em seus contos. As poesias estão reunidas em publicação de 2016, organizada pela professora Diomar das Graças Motta. Filha de Cecilia da Conceição Rosa, operária da Fábrica Santa Amélia, em São Luís, era pedagoga ousada, pensava em mudar o homem e a sociedade pela educação. 

Estava além do seu tempo. Feminista, ativista, participava de causas populares, como a defesa do petróleo, do menor abandonado, contra a corrupção administrativa. Enquanto a professora Erlinda declamava os versos da “Violeta do Campo”, era esse o seu pseudônimo literário: “vede senhor, apodreceu na lama. Eu a vi muito tempo entre a folhagem, / Antes do vento lhe agitar a rama/ E, do regato, sacudi-la à margem. De virente e de verde tinha fama/ De folha mais formosa da ramagem, / Desceu nas águas e resta da viagem o labirinto capilar da trama. Ninguém pode fazer igual rendado/ Nem filigrana mais perfeita e linda/ Nem presente pode ser dado. Guardai senhor, guardai este esqueleto. Todo cuidado! É uma folha ainda/ Onde escrevi de leve este soneto”.

Parecia-me vê-la na cadeira de balanço e eu a pedir-lhe: “Dona Laura, recite uma vez mais o “Esqueleto”. E ela: “menino, só esta vez mais”.  Os versos traduzem a voragem da passagem do tempo. Todos nós estamos a ele submetidos. Do fundo de minha saudade, resgato o menino que um dia fui, e dele felizmente não me desliguei.

Novamente, nas sessões do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias-IHGC, liderado pelo desembargador Artur Almada Lima Filho, tão bem organizado, dispondo de arquivos impecáveis. E na Academia Caxiense de Letras, presidida por Renato Menezes, as duas instituições frequentadas pelos estudantes e por pessoas do povo, pude compreender porque Laura Rosa amava tanto Caxias. Ela bem entendia a alma generosa da cidade, decantada dentre outros pelo poeta Wybson Carvalho.

Recebi comovido o convite de Artur Almada Lima para integrar o IHGC na condição de sócio correspondente. E vi em Jonathan Almada, neto de operários das fábricas de Caxias, algo da ousadia pedagógica de Laura Rosa. Enfim, tratou-se de verdadeira efeméride caxiense.

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