06/07/2018

Garantias e Garantismo

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O maior problema do Direito é a sua interpretação. A afirmação transitou por vários autores, e como não poderia deixar de ser, não encontrou resposta conclusiva. O falecido ministro do Supremo Tribunal Federal-STF, Teori Zavascki, ao ser indagado, na sabatina do Senado, precedente à sua nomeação sobre o garantismo na aplicação do Direito, respondeu com proverbial sabedoria: “ o problema não é o rótulo, e sim, saber como se interpreta a Constituição”.

Em todos os países do Ocidente, repete-se o fenômeno classificado pelos teóricos como a constitucionalização da legislação complementar e ordinária. Vale dizer, as leis inferiores à Constituição são reinterpretadas de acordo com determinados valores. Estes obviamente são vistos de forma distintas por diferentes interpretes, e mais ainda, as mutações da vida social dão a eles significados por vezes conflitantes.

Nada que possa surpreender, como sustentava o sábio Aristóteles, o Direito é uma proposta de solução dos conflitos sociais, mas seus atos interpretativos são também geradores de muitos conflitos. Tudo a propósito das decisões divergentes entre a primeira e a segunda turma do STF, e as do próprio Plenário da Corte.

Por último, o ministro Luiz Roberto Barroso, teria dirigido frase de ataque ao garantismo nos termos seguintes: “ “garantismo é uma mistura de compadrio com omertà”. Para quem não se lembra, esta última palavra diz respeito a chamada “lei do silêncio” vigente na Máfia italiana, protetora dos integrantes da organização criminosa.

A “omertà” é implacavelmente aplicada pela Máfia, como garantia de sobrevivência da organização, paga-se como a vida pela quebra do silêncio.  A frase de efeito, não pode ser lida literalmente, como se os filiados a essa corrente hermenêutica, assim o fossem. Mas deve ser lida pela indignação do ministro, no que imagina sejam seus efeitos sociais.

Importa é que a declaração reabriu a discussão sobre as teorias garantistas e punitivistas e os efeitos teóricos e práticos decorrentes das duas posições.

Os punitivistas, como ele, formulam a tese de que os mais abonados financeiramente estão infensos às leis penais, socorrem-se de bons defensores, da prodigalidade dos recursos e do entendimento jurisprudencial de que só pode haver condenação após o trânsito em julgado da sentença. Na consecução dessa lógica nunca eles são efetivamente apenados.

O entendimento da jurisprudência da prisão após o trânsito em julgado da sentença está assentando no artigo 283, do Código de Processo Penal, por sua vez recepcionado pelo artigo 5º, LVII e LXI, da Constituição Federal de 1988. Quanto a objetividade do texto não paira qualquer dúvida.  A questão agora são as formas de interpretação da Constituição.

O legislador constitucional brasileiro aplicou a técnica de enumerar os direitos e garantias fundamentais no corpo da Constituição, antes de dispor sobre a organização do Estado, para deixar claro que este deve se submeter ao Direito que lhe é pré-existente, de acordo com as Declarações Internacionais que lhe são anteriores. Logo, os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, e seus respectivos operadores, estão sujeitos a essas inafastáveis regras. Como inafastável também é a pluralidade das interpretações e aplicações que variam no tempo pela mudança de composição das cortes judiciais. O STF, tribunal constitucional por excelência, até 2009 mantinha entendimento de ser a prisão admissível apenas após a decisão em última instância, no caso, a por ele próprio apreciada.

Em 2016 mudou. Até porque muitos ministros mudaram a compreensão do assunto. Passou a admitir a prisão após o julgamento em segunda instância. Enquanto as primeiras e segundas turmas do STF divergem sobre a mesma matéria. Trata-se de divergência normal. É indispensável sim, que se saiba o atual entendimento do Plenário da Corte, em nome de valor sempre arguido, a segurança jurídica.

Os garantistas vinculam a função punitiva do Estado a preservação das garantias dos direitos dos cidadãos, constantes na Constituição Federal, superiores ás razões estatais. Os punitivistas sustentam que superiores interesses e valores sociais, condicionam a atividade de aplicar as penas de parte do Estado. Apregoam que a sociedade brasileira, marcada por desigualdades profundas, não aceita mais os privilégios dos que se colocam acima da Lei Penal, por condição política ou financeira.  Legislação penal assim, seria aplicável apenas a preto, pobre e prostituta. Defendem a existência de Estado social efetivo, excluindo inclusive o foro privilegiado.

O jurista italiano Luigi Ferrajoli, com o cabedal de professor das universidades de Camerino e de Roma, autor da obra básica “Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal”, como se vê, garantista assumido, aduz novo valor a interpretação: o elemento material, de conteúdo ético.

Mas no final, garantistas e punitivistas submetem-se todos às garantias da Constituição Federal. Pragmaticamente, resta que o Plenário do STF manifeste e exerça a sua atual interpretação.

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