18/03/2019

Lúcia, a Mulher

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O ano de 1959 chegava ao fim. Na semana do natal, o casal Octavio Tarquínio de Sousa e Lucia Miguel Pereira fora a São Paulo para contatos literários e visita a familiares. Na volta ao Rio, dia 22 de dezembro, tomaram o avião da Vasp. O aparelho chocou-se com um da FAB, todos os passageiros morreram. O casal mais que perfeito da literatura brasileira deu o passo para a eternidade de mãos dadas, como sempre viveu.

Octavio, historiador de grande reputação, parceiro de Sérgio Buarque de Holanda, e Lucia, biógrafa de Machado de Assis e Gonçalves foram retratados de forma magistral pelo escritor Fábio de Sousa Coutinho no livro “Lúcia”, contando sua vida. Conheceram-se nos anos trinta. Ele desquitado, ela solteira. O amor deles enfrentou os preconceitos e as discriminações da sociedade repressiva de então. Era uma harmônica parceria física e intelectual. A tragédia que os atingiu abalou os amigos e intelectuais. Carlos Lacerda escreveu um dos seus mais belos textos: “A última flor para Lucia e Octavio”, publicado no jornal “Tribuna da Imprensa”.   Alceu do Amoroso Lima, no “Diário de Notícias”, editou “Bodas de Sangue”, comovido depoimento da história de amor de uma mulher avançada para a época, que corajosamente ocupava o seu espaço, sem concessões, sem prejuízo da enorme paixão por seu companheiro.

8 de março, dia internacional da mulher, por resolução da Organização das Nações Unidas-ONU, o Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública-CECGP, em parceria com a Academia Maranhense de Letras Jurídicas e a Associação de Advogados-AMAd, promoveu oportuna mesa-redonda sobre o evento, reunindo a juíza Sara Gama, a promotora Ana Luíza Ferro e o advogado Alexandre Lago. Todos com proficiência demonstraram como o universo feminino, a literatura e o Direito se encontram ao longo das civilizações.

Convidado a participar da mesa, lembrei-me da gentileza do escritor e advogado Fábio de Sousa Coutinho, presenteando-me com a biografia “Lucia” uma joia do gênero tão em moda entre nós nos últimos anos. O autor, advogado bem-sucedido, atuando em foros nacionais e internacionais, renunciou a banca para dedicar-se por inteiro a literatura. Atualmente preside a Associação Nacional de Escritores-ANE, me dando a honra de convidar-me para integrá-la, e a Academia Brasiliense de Letras.

Esteve em São Luís entre os dias de 25 a 28 de abril do ano passado, por ocasião do Seminário Comemorativo do Centenário da Faculdade de Direito do Maranhão. Proferiu no dia 26, magistral conferência sobre a participação dos juristas na literatura nacional, especialmente na Academia Brasileira de Letras. Encontra-se publicada no livro “Anais” do Seminário, lançado dia 15 de março no prédio da Faculdade, após a magna conferência do professor Alberto Tavares Vieira da Silva sobre a histórica comemoração.

Lucia Miguel Pereira, filha do pioneiro sanitarista, produziu a mais importante e documentada biografia de Antônio Gonçalves Dias, o passageiro do navio “Ville de Boulogne” naufragado no litoral do Maranhão, próximo à vila de Guimarães, dia 3 de novembro de 1862, aos 41 anos de idade. O poeta fincou as bases da emancipação da literatura brasileira, dando-lhe identidade própria.

“A Vida de Gonçalves Dias” é um trabalho rigorosamente documentado, revelador da sociedade brasileira daquele tempo, muito especialmente da maranhense, repressiva, preconceituosa, impeditiva do grande amor do mestiço, filho ilegítimo, por uma dama da alta sociedade, não obstante ser ele amigo do Imperador Pedro II e influente na Corte.

A sua biógrafa Lucia, desafiou os tabus e os preconceitos quase um século depois da morte do biografado, comprovando ser a mulher sensível, combatente, pois assim entendia ser a vida, em um tipo de feminismo admirável, digno de ser reverenciado no dia internacional da mulher.

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