23/11/2020

O Crime do Racismo

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Não se nasce racista, aprende-se a ser. Sou testemunha desta assertiva. Nasci no interior do Maranhão, onde vivi parte da minha infância. As primeiras letras aprendi com professoras negras, elas me tratavam com carinho e afeto. Com colegas negros aprendi a dividir brinquedos e brincadeiras. O racismo não existiu em meu aprendizado. Ao contrário. Devo a vida a um menino negro. No imaginário infantil marcamos uma pescaria no rio. Ele sabia nadar, eu não. A canoa virou. Em um redemoinho descia e subia afogando-me, ele que sabia nadar socorreu-me, só saindo despois de salvar-me. Nunca esqueci o episódio. Para mim, o racismo é inconcebível e inaceitável. Mas ele existe em nossa sociedade marcada por anos de escravidão, em que teorias de superioridade racial justificavam a perpetração do crime.

Um dos personagens defensores da superioridade racial, o Conde Arthur de Gobineau, esteve na representação diplomática da França entre 1869 e 1870. Fez amizade com o Imperador Pedro II, com quem se correspondia. Publicou um “Ensaio Sobre as Desigualdade das Raças Humanas”, sustentando a superioridade da branca. E mais, afirmou: a miscigenação iria permitir a involução, levando o ser humano a retornar ao primitivismo. Influenciou o Imperador na política imigratória do “embranquecimento” no sul do país.

Era a pseudociência, justificadora do colonialismo europeu do século 19.  Os conhecimentos científicos contemporâneos comprovam, não há raças superiores ou inferiores, no essencial, há a raça humana. Na África prosperaram elevadas civilizações negras como a egípcia e outras. O que os fez ter a pigmentação da pele escura, pelo alto teor de melanina, foi o clima quente do continente africano. O que os tornou escravos foram as prisões determinadas por guerras tribais, como houveram em Roma e Grécia. Os escravos na Europa eram brancos. Naquela época desenvolveram-se teorias filosóficas que também eram tidas como científicas, explicadoras e justificadoras da escravidão como regime social de produção.

O Brasil construiu sua economia no século 19 sob a mão-de-obra escrava. O país tinha Constituição política e códigos liberais convivendo com a ignomínia do escravagismo. A Campanha Abolicionista, precedida dos movimentos quilombolas, foi a mais importante marcha cívica que iria fazer o Brasil ser o país que é hoje, sob a liderança de Luiz Gama, José Patrocínio, Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Castro Alves.  A Lei Áurea de maio 1888 foi o golpe mortal na Monarquia. Ela tinha os pés fincados na escravidão. Mas foi obra inconclusa, não deu terra, escola e igualdade de oportunidades aos libertos. Aí está a origem da inquestionável dividida social a ser resgatada.

Há inquestionável ascensão das populações negras no mundo inteiro. São os ciclos da História. O ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama, veio de lançar o primeiro tomo do seu livro de memórias, relatando as experiências presidindo a maior potência mundial, e como reação, se seguiu com a eleição de Donald Trump, e a onda de conservadorismo que o acompanhou. Inútil. Ninguém detém a marcha inexorável dos ciclos históricos. Veio agora a eleição de Joe Biden, dileto amigo de Obama, e da sua vice, a simpática negra Kamala Harris. Quem sabe a caminho da Presidência.

Quando em 25 de maio do corrente ano, o afro-americano George Floyd foi assassinado em Minneapolis por policiais brancos, eu postei em minhas redes sociais: “ eu também não posso respirar George Floyd. Nunca vi tamanha brutalidade contra um ser humano imobilizado. Que covardia! É a bestialidade do racismo. A ciência comprova; só há uma raça, a raça humana. Que a Justiça seja feita em respeito aos Direitos Humanos”.

Tive a certeza de que Donald Trump seria derrotado nas urnas. Nunca imaginei que o crime seria repetido no Brasil.  

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