29/03/2021

O Ponto de Inflexão

Autor: João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O Mundo, o Brasil, passam por momento especial, a pandemia persiste, alguns pensam na volta ao que chamam de normal. Mas vida nunca será como antes. É oportunidade para rever conceitos, hábitos e costumes. É o chamado ponto de inflexão. A Guerra Civil espanhola foi carnificina luta entre republicanos e falangistas, estes últimos comandados pelo general Francisco Franco. No vital vitorioso, instalou ditadura que durou até 1975 com a sua morte.

Naquele contexto da Guerra Civil espanhola houve o ponto de inflexão. Em outubro de 1936 é convocada uma reunião na Universidade de Salamanca de quem era reitor Miguel de Unamuno. Filósofo, ensaísta, romancista, poeta, é autor de obra fundamental para a cultura ocidental, precursora do existencialismo cristão: “Do Sentido Trágico da Vida”.   No meio da reunião, o general Millán-Astray, braço direito de Franco, levanta-se e grita: “Viva a Morte¹! Incentivava os falangistas a matar os adversários republicanos. Unamuno que fora nomeado por Franco, irresignou-se e começou a dissertar sobre o sentido da vida, a sua beleza e diversidade.  Sua demissão não tardou, preso em domicílio, morreu em dezembro. Deixando com seu gesto um ponto de inflexão sempre lembrado por historiadores como marco da cultura ibérica em que estamos inseridos.

O Brasil particularmente é um país diverso pela composição étnica e cultural. Será inútil tentar arrastá-lo para o pensamento único, para os fascismos de direita ou de esquerda. Está destinado à Democracia pela índole do seu povo. No processo, como em todos os povos, há avanços e recuos, mas a meta será alcançada. Lembro, no discurso de transmissão do cargo a Jânio Quadros em Brasília, Juscelino dizia deixar consolidada a democracia. Três anos depois viu-se que não era bem assim. Depois deu-se a retomada. Jânio fora eleito em verdadeira revolução pelo voto, cavalgando uma vassoura, símbolo da varredura que faria na corrupção e privilégios. Seis meses depois renunciou gerando a crise redundou na deposição de João Goulart.

Na retomada, sob a vigência da Constituição de 88, elege-se Fernando Collor de Mello, reeditando as promessas de Jânio, e com a veste de “Caçador de Marajás”. Resultado, impeachment e renúncia. Duas ilações: o povo deseja que a corrupção seja combatida. Mas a tarefa não pode ser deferida a um homem ou a uma instituição. Ela é de todos os poderes políticos, instituições republicanas e do conjunto da sociedade. É falacioso pensar ser encargo a ser resolvido por ditaduras, ao contrário, elas agravam o problema pela falta de transparência e por falta de imprensa livre.

Nas democracias, as crenças não se voltam para “salvadores da pátria”, e sim, para as instituições, a quem se deve respeitar e preservar. Erros de juízes, de membros de tribunais inferiores, de intermediários e superiores, não podem levar a descrença no Judiciário, esta deve ser preservada a bem da democracia. Há sempre recursos até para tribunais internacionais.  Não apenas em Berlim, sempre encontraremos juízes honestos e dignos.

A política não pode ser contrária à vida. E não se resume às eleições, elas são um meio para cuidar das pessoas, e não um fim em si mesmas. É hora de fazer-se trégua para salvá-las e deixar as eleições para o próximo ano. Aquela formulação atribuída a Clausewitz, de que a guerra é a política por outros meios, levou a citação de Unamuno, de que ao grito de morte, deu um pela vida, em gesto de coragem que se tornou representativo de nossos compromissos com a cultura ibérica de que ele é com justiça um dos ícones, nas tentativas para alcançar o sentido da existência de nós, pobres mortais, na finitude buscando o infinito que nos aguarda.  É o legado ibérico.

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