31/10/2017

O Streap-Tease da Toga

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

As instituições brasileiras do poder exibem conflitos explicáveis a partir da mentalidade social e dos costumes políticos prevalecentes ao longo da história do país. Constata-se o predomínio do dos chefes do governo e de Estado sobre os demais poderes e órgãos públicos. Os defensores do parlamentarismo, como forma de governo, sustentam que a separação das funções de governo e de Estado contribuiria para a redução dessa concentração de poderes, e consequentemente, reduzindo a marca do personalismo.

A adoção do parlamentarismo pressupõe a existência de partidos políticos sólidos, praticantes de salutar democracia interna. As organizações partidárias nacionais têm donos e são dirigidas por oligarquias controladoras. Era o PTB de Vargas e Jango; o PSD de Juscelino; a UDN de Lacerda; mais recentemente, o PDT de Brizola, o PRN de Collor, o PT de Lula. De toda forma, em uma verdadeira reforma política a discussão da forma de governo é inafastável. Os efeitos decorrentes são notórios: a inautenticidade da representação política que não traduz as aspirações da sociedade civil.

Legislativo e Judiciário prestam vassalagem ao chefe do Poder Executivo, desfigurando por inteiro a teoria da separação dos poderes de Montesquieu. No passado alguns personagens se irresignaram com a servidão. Foi o caso do deputado e depois ministro do Supremo Tribunal Federal, Adauto Lúcio Cardoso, protagonista de dois episódios edificantes.

No primeiro deles, presidente da Câmara dos Deputados, reagiu a cassação de 6 parlamentares. O então coronel Meira Matos, executor da medida de fechamento da Câmara, o procurou para dizer-lhe que estava a serviço do poder militar, Adauto retrucou-lhe: “ e eu a serviço do poder civil”. Em seguida renunciou à Presidência da Câmara, para significar a independência que esta deve ter. Era a ano de 1966.

No ano seguinte, o presidente Castelo Branco, que se considerava um liberal, o nomeou ministro do Supremo Tribunal Federal. Em 1971 o governo do general Médici baixou decreto submetendo livros e publicações a censura prévia. O MDB ingressou com representação arguindo a inconstitucionalidade do referido decreto, de número 1.077, considerado uma mordaça sobre a liberdade de imprensa.

Adauto votou pela inconstitucionalidade, mas foi voto vencido. Entendeu então que o Supremo estava submetido a anti-Constituição, o ato institucional de nº 5 de 68, e despiu-se da toga, em gesto eloquente, que muitos chamaram de streap- tease cívico, despedindo-se do Supemo Tribunal Federal.  

Voltou para a sua advocacia, exercendo cargos nos conselhos seccional e federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Faleceu em 1974, cercado da admiração e do respeito dos seus pares. Deixou o exemplo de que os poderes só o são realmente se forem independentes.

Semana passada, dois ministros do Supremo Tribunal Federal ganharam as páginas dos matutinos impressos e televisivos, por conta de acalorada discussão acerca de suas posições na Corte. Abstraindo os comentários individuais trocados por ambos, interessa, acima de tudo, a posição independente que o mais elevado órgão da Justiça pública deve ter. Infenso a influências partidárias dos detentores do Poder Executivo.

Para tanto, deve ficar claro, o que deve aparecer e permanecer aos olhos da sociedade civil é a decisão do Supremo Tribunal Federal como colegiado. Os julgados são do colegiado, eles é que devem ser prestigiados e acolhidos pela população. Os votos pessoais dos juízes só se sobrelevam se traduzirem teses e convicções, e a história os julgará, tal como ocorreu naquele julgamento em que Adauto Lúcio Cardoso despediu-se do Tribunal.

A autoridade dos juízes, dos mais simples das comarcas do interior aos ministros doo Supremo Tribunal Federal, se impõe pela honradez, probidade e reconhecimento moral. O ativismo e a politização judiciária se relativizam se compararmos o Supremo brasileiro com o similar norte-americano.

Ao longo de sua trajetória a Corte Suprema dos Estados Unidos recebeu a influência das personalidades de juízes como Hughes, Warren, Benjamin Cardoso. Convergindo ou divergindo, as suas interpretações da Constituição sofreram a pressão das circunstâncias econômicas e sociais. Mas em todas elas, reforçaram a prestigio da instituição, como o fez Adauto Lúcio Cardoso ao praticar o streap-tease da Toga.

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