02/10/2017

O Supremo e a Lei

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O Supremo Tribunal Federal-STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro vive esta semana momento crucial de sua história, que se confunde com a da República. Criado que foi nos moldes da Corte Suprema norte-americana, pela Constituição de 1891, da lavra de Ruy Barbosa, tem atravessado ao longo de sua extensa trajetória situações delicadas.

Logo no alvorecer do regime republicano, Leda Boechat Rodrigues, na “História do Supremo Tribunal Federal”, narra a intimidação da Presidência da República por causa do Habeas Corpus-HC impetrado por Ruy Barbosa em favor do almirante e senador Eduardo Wandenkolk, um dos insurretos contra o Presidente Floriano Peixoto: “ a intimidação não se restringiu, aliás, aos comentários da imprensa. Corria como verdadeira uma frase atribuída a Floriano: se os juízes do Tribunal concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas-corpus de que, por sua vez necessitarão”.

Na tribuna do STF o advogado Ruy afirmou: “a política com as suas transações, os seus sofismas, os seus espantalhos dissipar-se-ão como a cerração dos maus dias. Mas o vosso aresto perdurará, fonte de energia ou de cativeiro para muitas gerações, e as suas queixas, ou as suas bênçãos coroarão a vossa descendência”.

Prosseguindo a peroração, elogiando o voto favorável ao HC, proferido pelo Ministro Pisa e Almeida, ele ensinou: “ a autoridade da Justiça é moral e sustenta-se pela moralidade de suas decisões. O poder não a enfraquece, desatendendo-a; enfraquece-a, dobrando-a. A majestade dos tribunais assenta na estima pública; e esta é tanto maior, quanto mais atrevida a insolência oficial(...). De um lado o Presidente com o Exército; de outro, a magistratura com a Constituição. Pois esta potência inerme pode mais que todas as armas daquela”.

O HC não foi concedido, sob a alegação de que o Tribunal não poderia apreciá-lo na constância do Estado de Sítio, não obstante o impetrante arguir a inconstitucionalidade e ilegalidade de sua decretação. Era o início da República de Floriano, que de forma autoritária desprezava as regras da convivência com pontos de vista opostos aos do governo.

Durante a Primeira República (1889-1930) os grupos em disputa partidária bateram às portas do STF buscando abrigo às perseguições oficiais, e como relata Osvaldo Trigueiro do Vale no livro “O Supremo Tribunal e a instabilidade político-institucional”, ele se manteve alheio às contendas, buscando preservar a autonomia e a independência. Aduz ainda ser o a Corte brasileira exemplo para os demais países da América Latina, sujeitos a sucessivas crises de instabilidade política.

Mesmo as ditaduras, a de Vargas entre 1937 e 1945; e a militar de 1964 a 1985, mantiveram-no aberto, ainda que sujeito a leis de exceção, respeitando sua função de superior intérprete e aplicador as leis, mantendo-se o Tribunal equidistante das querelas político-partidárias. Na vigência do Ato Institucional nº 1, que suspendeu as garantias da Constituição de 1946, concedeu habeas-corpus aos governadores oposicionistas de Pernambuco, Miguel Arraes; de Goiás, Mauro Borges; do Amazonas Plinio Coelho.

A Constituição de 1988 atribuiu, na melhor tradição do Estado Democrático de Direito, papel majestático ao STF. Suas amplas atribuições conjugam-se ao enfraquecimento dos poderes Legislativo e Executivo, e as constantes demandas de parlamentares e agentes do Executivo, causando a judicialização da política, que vem se transformando em politização da Justiça.

Os diários escândalos de corrupção expõem as vísceras da política partidária, desacreditando-a perante a sociedade, que volta os olhos e esperanças ao Poder Judiciário, mais especificamente para o seu órgão de cúpula, o Supremo Tribunal Federal.

Na pauta desta semana, será decidido se o STF pode afastar parlamentar, aplicando-lhe pena sem o consentimento do Parlamento. Duas questões se evidenciam. Ao contrário do modelo norte-americano, a Corte brasileira peca às vezes por excesso de protagonismo de alguns dos seus membros. E sobretudo, acima de qualquer posição hermenêutica, a ela deve se impor a mais completa submissão à Lei.  

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