02/09/2019

Ouviram do Ipiranga

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

A historiadora Mary Del Priore publicou o livro “As Vidas de José Bonifácio” pela Editora Estação Brasil. É a divulgação de alentada pesquisa sobre o Patriarca da Independência, um dos principais responsáveis pelo grito do Ipiranga, expresso pelo príncipe, herdeiro da dinastia Bragança. A vinda de família real portuguesa para o Brasil, em 1808, fugindo da invasão napoleônica na Península ibérica, foi determinante para que a nossa emancipação política se desse mantendo a integridade territorial de um país de enormes dimensões, que tendia a se transformar em várias republiquetas, tal como ocorreu com a América espanhola. A versão histórica é inapelavelmente política, por isso é que se diz, sempre prevalece a narrativa do vencedor, no caso, a de José Bonifácio.

Examinando os fatos, por exemplo, falar da Conjuração Mineira como um movimento elitista é até uma ignorância redundante, é como querer que existisse num país vivendo sob o escravagismo, uma população de cidadãos, em armas, para conquistar a emancipação política. É desejar que “Estados Unidos do Brasil” se chame “Estados Unidos da América”.

A Inconfidência foi efetivamente um movimento da elite colonial contra os abusos do fisco da Metrópole que chegaria ao auge com a derrama.

Por falta de cidadania é que cem anos depois Aristides Lobo relatou: “o povo assistiu bestializado à proclamação da República”.

Certo revisionismo histórico abriga também vitupérios contra Rui Barbosa, acusado pelo “encilhamento”, a tentativa que antecedeu ao Ministro Delfim Neto, de criar mercado de ações moderno, a partir da efetiva industrialização.

 Rui teve visão futurista e idealista ao querer criar sociedade industrial num país que fazia pouco mais de um ano libertara os escravos, e, portanto, não tinha mão de obra livre indispensável à constituição do operariado, e consequentemente, à realização do projeto.

São inadmissíveis as insinuações malévolas, respingando a moralidade de Rui, pois é no mínimo ignorar que após sua morte, em 1923, o governo Washington Luís, em 1930, teve que comprar-lhe a casa da viúva dona Maria Augusta, tamanhas eram as dificuldades financeiras da família. A compra incluiu móveis e acervo bibliográfico. Atualmente, sedia a Fundação que tem o seu nome, à rua São Clemente, 134, em Botafogo, Rio de Janeiro. Sua inauguração foi o último ato público a que compareceu Washington Luís, logo depois derrubado pela Revolução liderada por Getúlio Vargas.

Rui tem sido muito difamado, caluniado, em vida e pós-morte, mas há uma estranha coincidência: toda vez que sua memória é detratada ocorrem acessos de autoritarismo, de sufocamento das liberdades públicas, de parte dos que têm o dever político-jurídico de defendê-las.

Os possíveis ataques lançados a Rui atingem o cerne da consciência jurídica brasileira, no momento vilipendiada por alguns dirigentes públicos que desrespeitam seus postulados básicos, como por exemplo, o direito adquirido e a segurança jurídica, para não falar de outros.

O revisionismo histórico atinge agora a figura de José Bonifácio, nascido na vila de Santos em 1763, acusam-lhe de oportunismo, de autopromoção, e de autoria das primeiras mentiras, hoje “fake news” da política nacional. Estadista de larga visão histórica, dele disse Gondin da Fonseca em memorável estudo biográfico: “professor de liberdade, que em 1823 apelava na Câmara para Justiça Social, a favor dos escravos e dos índios selvagens”.

Teve a antevisão da instalação da nova capital, na mesma região onde Juscelino Kubitscheck construiu Brasília. Ardoroso defensor da Escola Pública de qualidade, condição para a efetiva construção da democracia, como regime de convivência social nos trópicos. Nacionalista convicto, soube conviver e superar as contradições da sua época, inspirado nos ideários da Revolução Francesa.

Nesta Semana da Pátria, se pode afirmar: sem ele, o grito do Ipiranga não teria ecoado.   

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