26/10/2020

Pelé e as Eleições

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Nos anos de chumbo, Pelé, o extraordinário jogador de futebol, agora octogenário, em entrevista à imprensa teria declarado: “o brasileiro não sabe votar”. A manifestação do rei foi recebida com desconforto pelos que aspiravam o retorno das eleições diretas para os governos estaduais e Presidência da República. E com satisfação pelos corifeus do regime autoritário, justificando a tutela exercida sobre a sociedade brasileira.

Após mais de três década da declaração e de muitos pleitos realizados, às vésperas das eleições municipais de 2020, a afirmação de Pelé retorna, conduzindo à reflexão sobre o aprendizado e o amadurecimento dos brasileiros para o ato de escolha de seus representantes nos municípios, elegendo prefeitos e vereadores à Câmara Municipal.

Convém recordar, à exceção das capitais e de cidades consideradas de segurança nacional, as eleições municipais foram mantidas durante o regime autoritário, conviveram com a tentativa de implantar o bipartidarismo. Criaram as sublegendas onde se abrigavam aqueles que desejavam abrigar-se a sombra do poder político central. Naturalmente a maioria, considerando o grau de centralização dos recursos financeiros acentuada regime de 64.

A Constituição de 1988 tratou o município como ente federativo, ao contrário das anteriores republicanas, que lhe davam apenas a autonomia. Mas não cuidou de dar-lhe os correspondentes recursos financeiros, atualmente concentrados na União.

No plano da política esqueceram de efetuar a reforma, desejada antes da revogação da Carta de 46 pelos atos institucionais. A base de poder local continuou atrelada ao coronelismo, como retratou o livro de Victor Nunes Leal, “Coronelismo, Enxada e Voto”, um clássico da sociologia nacional publicado em 1948.

Com o deslocamento do poder dos donos de terra para o financeiro, estes passaram a exercer o papel outrora desempenhado pelos latifundiários, transformando-se em titulares do poder político, isto apesar das leis restritivas de sua influência no resultado das eleições, e não obstante o árduo trabalho da Justiça Eleitoral para coibi-la. 

O Poder Local no passado, desde o Brasil colônia, era privativo das Câmaras Municipais, segundo a regulação das Ordenações do Reino. Continuou com a independência política, subsistiu na República, elegendo-se os homens de posses, capazes de exercitar o poder político. Após a República passou a eleger-se o dirigente executivo, o Prefeito.

Deram-se as alterações demográficas do país, deslocando-se populações das áreas rurais para as cidades, em condições de penúria, com baixa renda. Faltando-lhes emprego, moradia e educação, foram usadas como massa de manobra pelos aspirantes ao poder nas cidades, instituindo-se o clientelismo misturado com a exploração de crenças religiosas.

Não temos a educação voltada para a cidadania, a ser feita a partir da Escola básica, juntamente com a elevação da renda dessas populações, sendo condição para tanto, pois só superando o estado de necessidade será possível a sua existência, como definiu a pensadora Hannah Arendt.

À falta da educação para a cidadania, o voto torna-se mercadoria sujeita a cotações em dinheiro, promessas de emprego ou por motivações religiosas.  Sendo assim, o eleitor não se recorda em quem votou no último pleito, pois com ele não possui vínculo político em torno dos problemas de sua comunidade, a exigir soluções de parte de seu representante.

Na verdade, a teoria da representação exige atualizações determinadas pelas inovações tecnológicas, mas enquanto isso não ocorre, os representantes eleitos em pleitos municipais, a base do poder político local, devem ser escolhidos por determinantes do interesse do cidadão e de sua comunidade.  Ocorrendo essa transformação, a escolhas nos estados e no plano das presidenciais sofrerão alterações benéficas para a República e a Democracia.

Quanto a Pelé, só resta cumprimentá-lo pelo aniversário. Os que como eu tiveram o privilégio de vê-lo jogar, só poderão dizer: magnifico, meu rei!

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