19/03/2018

Quem Matou Marielle?

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

No livro “Raízes do Brasil” publicado em 1936, o historiador Sérgio Buarque de Holanda consagrou a expressão “homem cordial” aplicável ao brasileiro, avesso a violência, afável no trato, hospitaleiro. Nos anos trinta do século passado, a maioria a população estava na zona rural.  Na política, predominava o que Victor Nunes Leal tão bem caracterizou em “Coronelismo, Enxada e Voto”. De lá para cá, o país mudou na economia, industrializou-se. E na compleição demográfica, a maioria da população vive nas cidades, carentes de infraestrutura em esgotos, abastecimento de água, moradia, serviços de saúde, educação, segurança e mobilidade.

A violência tomou conta dos centros urbanos, alavancada pelo tráfico de drogas, pela omissão do Estado em prestar os serviços essenciais devidos a sociedade. A corrupção grassa em todos os setores, o público e o privado da vida nacional. O Rio de Janeiro é um exemplo da convergência de desacertos, tornado o dia a dia insuportável para os cidadãos que residem na decantada “cidade maravilhosa”. A elite dirigente estadual em parte encontra-se encarcerada pelas operações da “Lava Jato”. A rotina de crimes banalizou-se. Depois do Carnaval, o governo federal decretou intervenção na segurança pública. As câmeras de televisão registrado os arrastões sobre os foliões.

Enquanto políticos se dividem a respeito das providências para o enfrentamento do caos, cientistas sociais dão as suas versões sobre as causas responsáveis pela situação. Alguns fazem a devida leitura histórica. Como se falar de cordialidade de uma sociedade que até 1888 adotava a propriedade escravagista, e de uma elite colonial, que passou para a direção do país após a independência, sem distinguir o patrimônio público do privado, praticando a mais deslavada corrupção.

Semana passada um duplo homicídio, da vereadora Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes, comoveu a sociedade brasileira, abalada com a execução cruel de ambos em pleno coração da cidade. Quem os matou?  Os responsáveis pela segurança terão que dar a resposta, apresentando-os para a merecida punição.

Os movimentos de militância, organizações transnacionais, a Anistia Internacional, a Comissão Interamericana de Direitos, a Ordem dos Advogados, se posicionaram exigindo a punição dos culpados. Deixando claro que o Brasil, ao lado do México, da Colômbia e da Filipinas, encontra-se situado no quarto lugar entre os países que mais eliminam os ativistas dos Direitos Humanos.

Marielle era uma ativista, defendia os favelados, era negra, homossexual, e focava suas atividades nos excessos de poder que atingiam as minorias desassistidas da cidade do Rio de Janeiro.  Denunciava as milícias oriundas da polícia, por maus-tratos a pessoas dos grupos que organizava e defendia. A forma de silenciá-la foi matá-la. O fato comprova o descontrole institucional que vem se agravando ao longo de décadas.

Há a indignação coletiva justificada e um consenso sobre a insuportabilidade da insegurança social generalizada. Por outro lado, a segurança jurídica é uma garantia constitucional, pressuposto do Estado Democrático de Direito. Muitos fatores concorrem para essa realidade e a sua percepção.

Recordo de um Presidente da República, talvez mal assessorado, declarar de público a inexistência do Direito adquirido. É sabido, desde as fontes primárias dos romanos que a segurança jurídica tem entre os seus pilares: o respeito, o acato e cumprimento ao ato jurídico perfeito, consumado de acordo com a lei; a coisa julgada, a decisão de que não caiba nenhum recurso; e o direito adquirido na consonância da ordem jurídica.

O desrespeito a esses pressupostos de parte do mais alto magistrado do país simboliza o clima de insegurança que ultimamente envolve todos os aspectos da vida pública e privada dos brasileiros. Ninguém está seguro em nada. Se sai de casa sem a certeza de voltar. Os empregos podem desaparecer a qualquer momento.  Não há garantia de atendimento aos serviços de saúde, de educação. As aposentadorias podem desaparecer. Na esfera pública as ratificações das aposentadorias se eternizam, não são homologadas. A confusão entre o que é público e o privado perdura. Os partidos políticos não representam a sociedade, são organizações para operacionalizar negócios particulares.

Os responsáveis pela morte de Marielle devem ser punidos, os mandantes e os executores. Convém, entretanto, não esquecer que enquanto os fatores sociais referidos, concorrentes para a execução desse crime hediondo não forem dirimidos ou extintos, infelizmente, a tendência é a sua repetição.

A nação caminha para eleição presidencial. É momento oportuno para a discussão dos grandes temas, entre eles, a segurança pública.  

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