01/07/2019

Saudades de Cambuci

Autor: João Batista Ericeira sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Na reunião da Comissão de Acompanhamento da Constituinte do Conselho de Reitores, em Salvador, no Palácio do Governo, tive oportunidade de conversar com o àquele tempo Bispo Auxiliar da cidade, dom Boaventura Kloppenburg, conhecido por obras analíticas de outras denominações religiosas. Indaguei-lhe sobre a oportunidade de estudar “in loco” vários cultos, e o sincretismo de igrejas de inspirações africanas e indígenas. A resposta surpreendeu-me, o bispo previu que a maior ameaça para o catolicismo eram as igrejas evangélicas. Seu crescimento dava-se em ritmo acelerado, e a seu ver, dentro em pouco teriam o controle do político do país.

Decorridos mais de trinta anos, constato, a previsão de Dom Boaventura se cumpriu. Senão vejamos. Semana passada, Delfim Neto, economista, ex-ministro da Fazenda, na coluna do jornal “Folha de São Paulo”, de 26/6, aborda o protagonismo político das igrejas. Evoca os anos da juventude, com saudade de Cambuci, bairro da paulista onde nasceu e se criou. Lá, na velha Igreja do Carmo, havia uma rede de mútua ajuda, de solidariedade, liderada pelo pároco. Afirma, a Igreja Católica abandonou as cidades, nelas, situa-se 81 % da população.  O catolicismo migrou para a zona rural, a igreja do Carmo está vazia. E aduz: os grupos evangélicos são dogmáticos, dos pontos de vista metafísico, moral e religioso.  Só veem por um lado. Negam as evidências empíricas se estas as contrariam. Transformaram-se em partidos políticos. E ousa o prognóstico: dentro de duas ou três eleições será difícil construir maioria no Congresso Nacional sem a adesão delas.

Não há igreja sem dogma, incluindo a católica. O ponto essencial da questão é mais amplo. Jesus Cristo em vários trechos dos Evangelhos deixa claro: o seu reino não é deste mundo. Também quanto a separação de Igreja e Estado: “dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Além de ter expulsado os vendilhões do templo.

A utilização das igrejas como partidos políticos é péssimo para elas. Os fracassos das promessas conduzirão seus adeptos a descrença. A separação de Igrejas e Estado foi fundamental para o desenvolvimento da civilização ocidental, e fatal para as interpretações atuais no mundo muçulmano.

Dia 20 de junho, realizou-se a 27ª Marcha Para Jesus, organizada pelas igrejas evangélicas, ao mesmo tempo em que a Igreja Católica celebrava o dia do Corpus Christi dirigida a sua comunidade de fiéis.  As igrejas evangélicas competem entre si e com a Católica. Nesse particular, entendo ser interessante esta afirmação do líder do budismo tibetano Dalai Lama: “as igrejas são diferentes caminhos para Deus. Todas devem ser respeitadas”.

O mundo contemporâneo presencia o questionamento dos postulados da racionalidade sustentados pelo liberalismo, aos ideários do iluminismo, expressos em liberdade, igualdade e fraternidade, tanto que o cientista político americano Patrick Denneen veio de publicar o livro: “Why Liberalism Failled” (Porque o Liberalismo Fracassou), apontando a desigualdade e a homogeneidade cultural como responsáveis pelo fracasso.

Há visíveis tendências a volta dos valores comunitários, da família, da religiosidade. Esta última, ao contrário do apregoado por Augusto Conte, tem retornado às sociedades humanas com impressionante força, ao lado das mais antigas tradições. É bem ou mal? Sem emitir qualquer juízo de valor, tudo o que leva a maior espiritualização das pessoas é favorável a elas e as sociedades.

O liberalismo não fracassou por inteiro.  Aí estão a consolidação da separação da Igreja do Estado; a separação dos poderes deste, e a valorização da liberdade do ser humano, como inequívocas conquistas liberais. Delfim Neto lamenta disfunção racional do atual governo federal. Mas aos 91 de idade tem saudade da solidariedade vivida em Cambuci. Ela aos poucos está voltando.

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