12/11/2021

Seriam os grandes empreendimentos os “vilões” da poluição e degradação ambiental no nosso estado?

Autor: Por Isabella Pearce - Advogada e Profa. Doutora em Direito Ambiental pela Universidade de Coimbra Presidente da Rede Ágora e da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da OAB-MA

Os grandes empreendimentos são os vilões da poluição e degradação ambiental? Ou eles apenas teriam mais visibilidade e, por isso, são mais alvo de denúncias, tanto aquelas verdadeiras quanto aquelas falsas?

Faz sentido que, num estado como o Maranhão, que ainda possui um dos menores IDHs do Brasil e que precisa urgentemente se desenvolver, todo grande empreendimento vire alvo de aversão e protesto por parte de movimentos sociais que dizem estar preocupados com os mais pobres? Ou essa aversão é justificada pelo fato de que, historicamente, a chegada de grandes empreendimentos não beneficia comunidades locais, que ficam de fora da “festa do desenvolvimento”?

Essas foram algumas das muitas questões que refleti na minha tese de doutorado, justamente porque, desde que iniciei a pesquisar e atuar no tema do desenvolvimento sustentável há cerca de 20 anos (ainda na adolescência), vejo essas questões serem o ponto nerval das maiores polêmicas e divergências em regiões que, ao mesmo tempo, possuem grande potencial econômico e persistente vulnerabilidade social, como o nosso Maranhão.

E essa semana, tive mais um exemplo concreto disso. Rodou por grupos de whastapp um vídeo de um corpo hídrico totalmente poluído no distrito industrial de São Luís, e a comunidade local, legitimamente indignada, atribui a culpa à empresa Higienizadora São Luís, contratada da Alumar, pelo único fato de que ela está instalada nas proximidades.

Contudo, logo em seguida, a própria empresa chamou representantes da comunidade para mostrar seu processo de tratamento de efluentes (e os efluentes oriundos da Alumar sequer são tratado ali, mas na própria área da Alumar) e chegou-se à conclusão de que a poluição deve advir de outros agentes que operam na mesma área.

É necessário, com certeza, identificar os responsáveis, mas antes mesmo de qualquer investigação, a culpa já tinha sido atribuída equivocadamente à “contratada da Alumar”.

O que esse e outros exemplos que tenho visto ao longo de anos nos mostram é que é mais fácil culpabilizar os grandes e médios empreendimentos do que buscar os verdadeiros culpados da poluição. Há sim casos em que grandes empreendimentos podem ser os culpados, porém muitas vezes a poluição ou degradação está sendo causada de maneira cumulativa e progressiva por agentes e atividades menores, incluindo pessoas físicas, que não estão sob os holofotes como os grandes e médios empreendimentos e, na maioria das vezes, não passam por todo o escrutínio do licenciamento e fiscalização ambiental que estes últimos têm que passar.

Recentemente, por exemplo, a Rede Ágora, entidade cívica da qual sou a presidente, protocolou uma Ação Civil Pública acerca de uma crônica situação de descarte ilegal e queima de resíduos sólidos em um terreno baldio em Paço do Lumiar, que vem impactando negativamente há cerca de 15 anos a vida e saúde de toda a vizinhança. E quem está descartando e queimando os resíduos? Não é nenhuma grande empresa. São os carroceiros das redondezas, pessoas de baixa-renda que infelizmente não encontraram outra fonte de subsistência e que, por falta de educação ambiental, ainda possuem o hábito de queimar os resíduos. A pobreza (não os pobres, mas a situação de pobreza em que se encontram, incluindo a falta de oportunidades de trabalho e de educação) é a grande vilã dessa história!

Não foi à toa que o Relatório Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland), aquele escrito por uma comissão da ONU que passou anos pesquisando sobre como conciliar “desenvolvimento” com “proteção ambiental” e, como resposta, apresentou ao mundo o conceito de “desenvolvimento sustentável” em 1987, afirma enfaticamente que: “a pobreza é o maior problema ambiental do mundo (...) e serão inefetivas as tentativas de solucionar os problemas ambientais se não solucionarmos também o quadro gritante de pobreza extrema em diversas regiões do globo”.

Outro exemplo que foi recentemente denunciado à Rede Ágora é o de desmatamento de uma área de vegetação nativa em Paço do Lumiar por “grileiros urbanos” para vender os lotes a baixo custo. A Rede Ágora ainda está avaliando a melhor medida jurídica para atuar esse caso, porém já é possível reconhecer que esses “grileiros urbanos” não são pobres, pois chegam ali de Hilux e outros carros de luxo, mas se aproveitam da situação de pobreza de milhares de pessoas que precisam de moradia e aceitam comprar um terreno de forma irregular. E mais uma vez, eu pergunto: o vilão nesse caso evidente de desmatamento ilegal é algum grande empreendimento? Não. São os grileiros urbanos criminosos e a situação de pobreza da qual eles se aproveitam.

Dito tudo isso, enfatizo que não vamos solucionar a situação de pobreza do nosso estado apontando o dedo para os grandes e médios empreendimentos quando, em muitas situações, a culpa da poluição ou degradação não é deles. Ao contrário, a situação de pobreza só se agrava quando expulsamos daqui investimentos que estariam atuando sob as rígidas regras do licenciamento ambiental e gerariam trabalho e renda para nossa gente.

Reconheço que muitos do que gritam contra os grandes e médios empreendimentos o fazem com a nobre intenção de proteger o ambiente ou uma comunidade. Contudo, o fazem sob uma perspectiva enviesada, não-racional, que não se preocupa em analisar qual é realmente a fonte do problema e suas soluções efetivas. Optam pelo caminho mais fácil de gritar e gerar indignação, mas sem efetividade (ou até piorando a situação) porque o verdadeiro problema ou o verdadeiro vilão não é aquele apontado.

Por outro lado, destaco também que um dos pontos que acredito que os grandes empreendimentos podem sim melhorar é relacionado à criação de postos de trabalho para as comunidades locais, incluindo cursos de qualificação para que possam aceder a cargos de maior renda. E, no longo prazo, o esperado é que os jovens que nasceram nessas comunidades tenham tido oportunidades de educação para ocuparem cargos de liderança nos mesmos. Seria a maior retribuição que os grandes empreendimentos podem dar às comunidades locais: torná-las incluídas através de oportunidades de qualificação, trabalho e renda.

Por conclusão, minha mensagem final é essa: precisamos pensar o Maranhão de uma maneira séria e efetiva, e não apenas para fazer discurso indignado. É preciso diagnosticar corretamente os problemas e focar nas verdadeiras soluções.

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