14/07/2017

Whatsapp: Até onde vai a inserção do Direito nas novas fontes tecnológicas?

Autor: Bruno Alberto Soares Guimarães

RESUMO

1 INTRODUÇÃO

Nenhum assunto torna-se desinteressante e de difícil abordagem quando nos remetemos a atualidade e principalmente ao nosso cotidiano. Indagar as formas de comunicação é fundamental já que o ser humano é incapaz de viver em um mundo sem interpessoalidade e principalmente sem qualquer forma de transmissão de informações.

Globalização, anos 2000 e século XXI são termos que remetem a “novidade” ou mesmo “tecnologia”.

A cada dia o homem inova, podendo ser nos meios de transporte, meios de sobrevivência e principalmente nos meios de comunicação.

Em tempos remotos jamais poderíamos imaginar que um aparelho de poucos centímetros pudesse ser o objeto mais desejado pelos indivíduos pelo simples fator se aproximar pessoas, distrair em menos de segundos ou mesmo possibilitar buscar qualquer informação de norte a sul em poucos clicks.

O celular, atualmente chamado de smartphone (por desenvolver diversas funções) abriu um leque de possibilidades para o meio social. Hoje é fácil além de se comunicar, pagar uma conta em um banco, realizar uma compra, pesquisar uma notícia que acabou de ser veiculada, ou mesmo assistir um programa de tv, além claro de sua função quase que unânime de possibilitar o contato de pessoas de qualquer parte do mundo por meio de sms ou pelos aplicativos, tendo o Whatsapp Mensenger como um dos mais conhecidos e baixados atualmente.

Quantos problemas são resolvidos diariamente por um envio de documento pela plataforma, ou mesmo por uma gravação de áudio, bastando necessariamente uma boa conexão com a internet.

Essa plataforma de troca de mensagens ganhou sua importância no cotidiano dos indivíduos de maneira tão rápida que em mais recente decisão de um Juiz da comarca de Presidente Médice, em Rondônia, em ação de cumprimento de sentença foi determinada a citação da parte autora “pelo meio menos oneroso e rápido” indicando as tecnologias possíveis para tanto: “email, telefone e o Whatsapp”. Ou seja, consecutivamente o mundo evoluindo carece a necessidade de a legislação também amadurecer em relação ao que podemos encontrar em nosso cotidiano.

O Whatsapp ganhou uma dimensão tão fora do normal que virou praxe, atualmente, as empresas criarem grupos de conversa no aplicativo para reunir empregados, no intuito de repassar informações, cobrar metas, controlar planilhas, entre outras finalidades por meio de um único envio de mensagem para a coletividade.

Pois bem, aqui nasce nossa problemática. Seria ótimo se esses grupos funcionassem “apenas” durante a jornada de trabalho. Mas não! Por diversas vezes os empregadores esquecem desse direito trabalhista e adentram em horários de descanso dos funcionários.

E como resolver essa problemática de assunto tão inovador? Hora extra? Aplicando o Teletrabalho? Poderíamos considerar como sobreaviso?

É importante acima de tudo entender os institutos para tentar encontrar a solução destas indagações.

2 O WHATSAPP COMO FORMA DE INTERVENÇÃO E INOVAÇÃO PARA O AMBIENTE DE TRABALHO

No início das gerações, o homem evidenciava a solidão como sua maior característica.

As vezes por falta de afeto gerado objetivamente pela necessidade de se expressar e transmitir uma mensagem, traçar uma diálogo, mesmo que de forma indireta aos seus colaterais. Mensagens estas, que não se comparam ao que evidenciamos atualmente por meio das inovações tecnológicas.

O autor Lon Fuller em sua obra “O caso dos exploradores de caverna”, publicado em 1949 traça uma argumentação jurídica entre o direito natural e o positivismo jurídico, revelando que somente após a socialidade dos que ali viviam, pode-se traçar uma retórica e principalmente a defesa de ideias, gênios e perfis sócio políticos, mesmo que para a época isso refletisse uma discussão ilógica diante das disparidades encontradas no ambiente. A história de Fuller transmuta sensações e estado de necessidade. Na época retratando o aspecto fome, hoje nosso enfoque busca a comunicação (AZEVEDO, 1976).

A princípio os seres humanos se comunicavam por gestos, posturas, gritos e grunhidos, algo bem diferente do que podemos atualmente. Entretanto, a necessidade fez com que o homem desenvolvesse técnicas de relacionamento interpessoais por meio de símbolos aos objetos, o que facilitou as mais diversas formas de trocas de informações, a ponto de ter acontecido uma evolução tão significativa, que atualmente um simples transpassar de dedos sobre a tecla de um aparelho telefônico pode ser diagramado e revelado por meio de mensagens de texto (sms) ou whatsapp (mensagens instantâneas).

Durante muito tempo a comunicação verbal tornou-se o foco das atenções dos estudiosos, o que influenciou inclusive em regras e normas dentro dos meios de trabalho. Entretanto, com a evolução tecnológica a ligação por voz deu espaço a uma simples mensagem de texto que rapidamente revela a mensagem que deve ser transmitida.

Ao analisarmos o ambiente ao nosso redor, como por exemplo, em uma estação de metrô, um shopping, uma fila de supermercado, ou mesmo nas salas de esperas de consultórios médicos a cena é a mesma: pessoas de cabeça baixa teclando com os dedos velozes em um aparelho eletrônico (por muitas vezes conhecido como smartphone) expressando as mais diversas reações após ler uma mensagem virtual.

Essas mensagens partem de plataformas conhecidas como aplicativos. Um dos mais influentes destes é o Whatsapp Messenger, que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS, necessitando apenas ter uma conexão de internet ou uma rede wifi. E que além das mensagens básicas, os usuários do Whatsapp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com imagens, vídeos e áudio.[1]

No caminho dos avanços tecnológicos e aproveitando esta facilidade nos meios de comunicação, diversas empresas lançam mão de suas antigas técnicas de relacionamento interpessoal e imergem nos grupos de Whatsapp, no intuito de baratear ligações telefônicas e automaticamente ter uma aproximação maior dos seus funcionários, já que o aplicativo mostra se o mesmo leu ou não a mensagem enviada.

Hoje, são 700 milhões[2] de usuários ativos mensais ligados no aplicativo, que enviam mais de 30 bilhões de mensagens instantâneas diariamente. Ademais, estes usuários participam de mais de 15 bilhões de grupos de conversas.

Torna-se uma forma rápida de com um único click enviar a mesma mensagem para dezenas de funcionários ao mesmo tempo, e automaticamente ter uma resposta em massa imediata.

Desta forma, não é difícil encontrarmos contas do aplicativo com mais de 15 grupos, sejam da família, da escola, dos amigos, ou mesmo do trabalho. E aqui surge nosso questionamento. Até o vai o ambiente de trabalho? Pode o empregado estar vinculado ao seu emprego por uma nova ferramenta tecnológica ao ponto de destinar seu tempo vago a discussões ou obrigações profissionais?

Para alguns estudiosos uma grande praticidade; para outros, um grande tormento a cada bip (sinal) que avisa sobre a chegada de uma nova mensagem.

O que antes era mero deleite ou facilidade de comunicação de uma forma tranquila e sem compromissos, hoje vira um tormento na vida de qualquer brasileiro, a ponto de por diversas vezes levar o trabalhador a pedir demissão do emprego por pressões sofridas por seus superiores no aplicativo ou mesmo assedio moral pelas cobranças exacerbadas em horários inoportunos. O grande desafio agora é entender o limite para a sua utilização dentro e fora do ambiente de trabalho e principalmente em como podemos remunerar o trabalhador que precisa de tal meio de comunicação para lhe dar com as questões da empresa.

Importante ressaltar que falamos aqui de um direito do empregado que fica remido por uma praticidade do empregador e deixa de ter uma condição salubre, tranquila e oportuna para desenvolver suas atividades laborais.

Para entendermos mais sobre o uso do aplicativo e principalmente o horário laboral dos empregados, devemos analisar a jornada de trabalho e as devidas horas extras.

3 A JORNADA DE TRABALHO E A DISPONIBILIDADE DO EMPREGADO EM MEIO AS INOVAÇÕES NO DIREITO TRABALHISTA

Na sociedade moderna atual temos formas de lazer laboral disseminadas em fracionados momentos, tais como nos intervalos do almoço, após o expediente, nos feriados, recessos, finais de semana e principalmente no período das férias. Interligamos o trabalho e o tempo, ou seja, elementos que andam em paridade ao falarmos de jornada de trabalho, que caracteriza-se como o tempo despendido para o trabalhador realizar suas obrigações com habitualidade diariamente.

Nos períodos compreendido entre o século XIX ao século XX, em referência a trabalho e principalmente a sua jornada adentramos na seara da necessidade. Primeiro porque a quantidade de trabalho era limitada a capacidade de resistência dos indivíduos ao trabalho. Segundo a exploração era latente, principalmente na era do coronelismo rural, onde o que predominavam eram turnos de trabalho de dez, onze ou até mais de doze horas seguidas, sem descansos ou férias. (BERTON, 2012)

Entretanto, essa grande exploração do trabalhador e o avanço empregatício oriundo da Revolução Industrial também fez nascer uma massa de movimentos sociais com intuito de resistência coletiva e individual, o que propiciou as greves e paralizações. Assim, os trabalhadores da época só almejavam uma coisa, qualidade de condições de trabalho.

Pode-se dizer que pelo regime anterior a nossa Constituição Federal a jornada normal de trabalho semanal era de 48 horas. Desse modo o empregado que laborava de segunda a sábado teria uma jornada de 8h (oito) horas diárias. (CAIRO JÚNIOR, 2014).

Com a promulgação da nossa Constituição Federal em 1988, conforme seu artigo 7º, inciso XIII, que recepcionou o artigo 58 da Consolidação das Leis do Trabalho, a jornada de trabalho ficou de 8 (oito) horas diárias ou quarenta e quatro horas semanais, resguardando apenas um turno aos sábados. (CAIRO JÚNIOR, 2014).

Discutir a jornada de trabalho é referenciar a disponibilidade dos trabalhadores. Portanto, surgem alguns questionamentos, como por exemplo que solução encontramos para relativizar a disponibilidade destes que por muitas vezes são inseridos nos grupos geridos pela empresa de Whatsapp? Ou ainda como deixar de apresentar disponibilidade se o aplicativo lhe coloca no ar (online) imediatamente a partir da conexão de dados de internet?

Percebemos que se o funcionário fica respondendo e-mails, ligações em casa, acaba trabalhando normalmente sem regularizar seu ponto, ou mesmo sem ser remunerado por tal prática, dispondo de seu tempo livre em prol da empresa.

Essa nova forma de realização e concretização do trabalho, aliada aos avanços das formas de comunicação nos remetem a um conceito diferenciado de trabalho, onde a disponibilidade é seu elemento principal.

4 O TELETRABALHO E O WHATSAPP

Os indivíduos buscam cada vez mais se aperfeiçoar e inovar nas formas de gerir determinadas funções e colocar meios tecnológicos para parear um determinado trabalho nada mais é do que baratear custos e operacionalizar melhor o sistema de produção.

As alterações apresentadas atualmente no meio laboral remetem a uma forma de organização clássica do trabalho, o Teletrabalho, que faz uso das facilidades de trabalhar à distância oferecidas pelo uso de novas tecnologias, bem como da interferência do processo de globalização da economia, que exigia estruturas mais flexíveis de trabalho (CAIRO JÚNIOR, 2014).

Conceituar Teletrabalho é aprimorar a visão teleológica da hermenêutica e apresentar uma nova perspectiva para relacionar as inovações tecnológicas ao conjunto de fatores caracterizadores do Trabalho.

O jurista Gustavo Filipe Barbosa Garcia apresenta-o como modalidade de trabalho a distância típica dos tempos modernos, em que o avanço da tecnologia permite o labor preponderantemente fora do estabelecimento do empregador, embora mantendo o contato com este por meio de recursos eletrônicos e de informática (GARCIA, 2014).

Outro conceito relevante é o do autor Amauri Mascaro que afirma ser aquele com utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo (NASCIMENTO, 2009).

Não restam dúvidas que uma das características desta forma de trabalho é, além da flexibilização dos horários, o que preleciona ao trabalhador uma forma diferenciada de realizar suas atividades e consecutivamente ao empregador uma diminuição com gasto de infraestrutura, a sua disponibilidade, que neste estudo é compreendida por meio de uma ligação ou uma mensagem recebida para que este trabalhador possa exercer suas funções na empresa.

De tal maneira é preciso entender se atualmente na prática é permissivo falar em Teletrabalho para todas as profissões e que caminhos foram percorridos para chegar a existência de um instituto que garante uma remuneração para o trabalhador que cede sua disponibilidade no horário de repouso para a empresa.

Na modalidade Teletrabalho observa-se que o objetivo do empregador é a não disponibilidade do empregado em local para prestação de serviços, o que assemelha-se a ideia do uso de grupos de conversas no Whatsapp, onde os funcionários estão trabalhando, outrora de forma não presencial.

Sobremaneira devemos esclarecer a interligação entre dois conceitos, o Teletrabalho e a Teledisponibilidade. Ambos atualmente conhecidos como subordinação do empregado à distância e exemplificando-os como as situações onde os funcionários devem responder às mensagens enviadas pelos seus empregadores por meio do seu Smartphones, sms, bips, pagers, com conteúdos de solicitações da empresa (manutenção, segurança, metas...). Aqui, o trabalho só ocorre em caso de chamada e nas condições habituais.

Na prática é possível visualizar este avanço no meio da comunicação, mas no plano jurídico a situação dos empregados ainda consta sem definição expressa, já que nasce uma relativa obrigação destes em responderem a seus superiores sobre as demandas que lhe foram dispostas, o que acaba por eventualmente a atingir a sua vida priva­da e principalmente o dispêndio do seu tempo de repouso.

Diversos doutrinadores Italianos, Franceses, Espanhóis, já mencionavam conceitos na década de 90 sobre as inovações tecnológicas e principalmente sobre o ingresso dessas práticas em nosso ambiente laboral, abordando o neologismo "telelavoro" (termo Italiano) para individuar o desenvolvimento da atividade do trabalhador de forma telemática, num lugar distante dos locais da empresa (PIAZZI, 1997).

No que respeita às relações de trabalho modificadas pela incorporação de novas tecnologias, a subordinação sofre uma acentuação. A introdução da informática provoca uma desestabilização do equilíbrio de forças que rege a relação de trabalho em favor do empregador e em prejuízo do trabalhador. A tendência aparece muito clara no trabalho de escritório e os processos de desqualificação e fragmentação do trabalho se acompanham por um aumento qualitativo do controle externo sobre o mesmo. O trabalho não e só mais fragmentário, repetitivo e pobre, mas se realiza submetido a um poder de vigilância que cresceu em intensidade ao se imprimir no programa informático (LOS COBOS ORIUHERL, 1990).

O Teletrabalho não necessariamente se apresenta fora do ambiente da empresa, podendo se dar no local de trabalho, porém a distancia do centro de atividades desta, ou seja, fora da execução de suas tarefas habituais. E pode ainda ocorrer de o empregado trabalhar na empresa durante a sua jornada normal e nos finais de semana ter que se corresponder e se fazer presente em tais grupos de Whatsapp, bem como também laborar após seu expediente ao chegar a seu domicílio.

Para não pairar dúvidas se o uso de aplicativos pode ser considerado uma forma de Teletrabalho é valioso apontar as vantagens e os inconvenientes deste instituto. São eles: para o empregador a redução dos custos imobiliários e de mão-de-obra, flexibilidade organizacional e maior imunidade a perturbações externas.

Mas o Teletrabalho apresenta, por outro lado, desvantagens para o empresário como a impossibilidade de se obter um retorno eficaz do Teletrabalhador a partir do momento que se desloca do ambiente laboral, e há ainda o perigo considerável de que sejam cometidos abu­sos quanto à segurança de dados que se tem de garantir, principalmente quando eles se refiram às pessoas; objetivo difícil de conseguir se o aparelho telemóvel estiver na residência do Teletrabalhador. Outro perigo é o de que pessoas não autorizadas possam ter acesso informações da empresa e também aos segredos empresariais e mercantis (DÄUBLER, 1996).

Quanto aos Teletrabalhadores as vantagens também são existentes, tais como escapar à poluição e ao congestionamento do tráfego, evitar os gastos de transporte, possibilidade de emprego para deficientes físicos e mulheres (que assim podem conciliar os deveres de dona de casa e de mãe com o trabalho) etc. É claro que tudo isto em se tratando de Teletrabalhadores em domicílio. Entretanto também temos suas desvantagens tais como o isolamento dos demais emprega­dos da empresa, que os leva a se relacionarem individualmente com o empregador, ficando expostos a práticas abusivas e ilegais e impossibilitados de defenderem coletivamente os seus direitos. Gerando ainda um eventual assédio moral por meio do novo sistema tecnológico. Afinal, nem tudo que se é escrito conforme desejamos ganha a mesma intensidade e entendimento no momento da percepção do leitor.

Portanto, essa prática de uso de tal aplicativo para debates ou informes, e principalmente para relacionamento entre patrão e empregado em horários diversos da jornada de trabalho não deixa dúvidas que este caso é uma situação de Teletrabalho.

Assim, é importante descobrirmos como este trabalhador será remunerado diante tal exploração sofrida pelos empregados durante seu descanso habitual. Sua remuneração deveria ser obedecendo aos critérios do sobreaviso? Ou não ele mesmo trabalhando em Teletrabalho não estaria em sobreaviso devido não ser cientificado?

5 O SOBREAVISO E AS NOVAS TECNOLOGIAS

Em situações especiais do cotidiano de algumas empresas torna-se imprescindível, determinados empregados se colocarem a disposição de seus empregadores para caso de eventualidades, o que chamamos de sobreaviso.

Decifra-se com a configuração do estado de subordinação do empregado, de forma a se considerar como efetivo serviço, o período em que o empregado permanece sem trabalhar, mas fica aguardando as ordens do seu empregador (CAIRO JÚNIOR, 2014).

Resumidamente nessas condições o empregado não usufrui de repouso completo, o que configura sua ausência de descanso integral que, preponderantemente, tem como efeito a obrigação de pagamento do adicional de sobreaviso.

A previsão legal celetista do sobreaviso é disposta no art. 244, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, quando se trata do trabalho do ferroviário:

Art. 244 - As estradas de ferro poderão ter empregados extranumerários, de sobre-aviso e de prontidão, para executarem serviços imprevistos ou para substituições de outros empregados que faltem à escala organizada.

(...)

  • 2º Considera-se de "sobre-aviso" o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de "sobre-aviso" será, no máximo, de vinte e quatro horas, As horas de "sobre-aviso", para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal. (grifo nosso)

Observem que o aludido preceito legal diz respeito apenas aos ferroviários. Contudo, a sua aplicação, após diversos debates e confrontos de decisões ampliativas foi estendida, por analogia, a todas as categorias profissionais, por conta do entendimento constante da Súmula nº 229 do TST (CAIRO JÚNIOR, 2014), que garantiu o mesmo benefício aos eletricitários:

TST. SÚMULA Nº 229. SOBREAVISO. ELETRICITÁRIOS (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Por aplicação analógica do art. 244, § 2º, da CLT, as horas de sobreaviso dos eletricitários são remuneradas à base de 1/3 sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial.

Conforme preleciona o entendimento do TST o empregado que fica à disposição da empresa, em sua residência, sem poder dela ausentar-se deve receber as horas de sobreaviso.

Porém partindo desse fato aqui surge uma polêmica, de modo que a possível utilização de aparelho telefônico móvel ou qualquer outro aparato similar, ou seja, o Teletrabalho permitiria a liberdade de locomoção do trabalhador, afastando a incidência do mencionado preceito Celetista, que é utilizado, analogicamente, para amparar a pretensão de outras categorias profissionais (CAIRO JÚNIOR, 2014).

Assim alguns juristas, bem como Maurício Godinho, defende que o avanço tecnológico tem propiciado situações novas que suscitam debates acerca da possibilidade de incidência analógica da figura especial do tempo sobreaviso, isto quando está pendente de aparelhos que limitam sua disponibilidade. Por exemplo, quando o empregado utiliza fora do horário de trabalho aparelhos de comunicação, como BIPs, pager ou telefone celulares – instrumentos que viabilizariam seu contato imediato com o empregador e consequentemente imediato retorno ao trabalho (DELGADO, 2008).

Em meio a toda esta análise cabe observar ainda o que dispõe o art. 244 da CLT ao ressaltar que o funcionário precisa ter sua jornada de escala definida em no máximo 24 horas. E para enfrentar este argumento é primordial que a legislação trabalhista vença as barreiras da análise hermenêutica literal, partindo para o uso de princípios jurídicos norteadores, tal como o princípio da primazia da realidade, onde privilegia-se o que ocorre no plano dos fatos, tendo por contexto a relação laboral, em detrimento do que as partes convencionaram por escrito ou até verbalmente.

Ou seja, em uma determinada situação fática deve ser reconhecida a forma de trabalho, mesmo ciente de que diversas vezes estas fogem a realidade legal e infringem as barreiras do que os legisladores denominam de “correto saber jurídico”.

Para aclarar mais o entendimento exemplificamos prevendo que a lei houvesse estipulado que um trabalhador só pode prestar duas horas extras diárias e, excepcionalmente, quatro horas extras. Esse limite foi criado para PROTEGER o empregado. Porém, se o mesmo for obrigado a trabalhar 16 horas em um dia, não podemos considerar esse transpasse de tempo como horas extras?

A resposta é simples partindo da casuística principiológica: claro que serão, pois ainda que fora do limite legal, houve uma forma de prestação de trabalho extraordinário.

Outro ponto de discussão que atacamos com o mesmo princípio é que para existir o sobreaviso o funcionário necessita de uma comunicação prévia por meio de seu empregador de que estaria exercendo esse tipo de trabalho extra jornada.

Todavia, nas condições atuais traçadas pelo uso do aplicativo cria-se uma rotina do empregado e da empresa, fazendo com que o comunicado que deveria ser expresso passe a ser tácito devido às reiteradas vezes que a prática se apresenta, podendo em alguns casos quase existir diariamente. O avanço tecnológico veio e o doutrinador ainda não conseguiu acompanhar esse ponto de embate entre trabalhadores e empregadores.

Assim, uma vez que ele poderia estar dando atenção a sua família ou nem mesmo conectado ao aplicativo precisa destinar parte de sua atenção e tempo para suprir aquelas indagações e participar do diálogo no grupo em horário diverso do que fora contratado.

Nessa situação não poderíamos assim considerar um sobreaviso? Em tese não. Afinal, duas características que faz existir esse instituto jurídico seriam: o empregado ficar a disposição da empresa em sua residência e a subordinação ao empregador em período de descanso semanal.

Pensando na hipótese do uso dos novos aparelhos de comunicação a Lei 12.551/11 acrescentou o parágrafo único ao art. 6º da CLT, no intuito de ratificar que a subordinação jurídica pode ser exercida com o uso de meios telemáticos e informatizados (de comando, controle e supervisão) nos trabalhos realizados a distância.

Art. 6º.

Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio

. (grifo nosso)

Em sua própria justificativa do projeto de lei, ficou evidenciado a prática do Teletrabalho com característica de trabalho em sobreaviso:

A revolução tecnológica e as transformações do mundo do trabalho exigem permanentes transformações da ordem jurídica com o intuito de apreender a realidade mutável. O tradicional comando direto entre o empregador ou seu preposto e o empregado, hoje cede lugar, ao comando à distância, mediante o uso de meios telemáticos, em que o empregado sequer sabe quem é o emissor da ordem de comando e controle. O Tele-Trabalho é realidade para muitos trabalhadores, sem que a distância e o desconhecimento do emissor da ordem de comando e supervisão, retire ou diminua a subordinação jurídica da relação de trabalho. (grifo nosso)[3]

Entretanto, vale ressaltar que o TST modificou também a Súmula 428, acrescentando o inciso II, passando a vigorar com a seguinte redação:

SOBREAVISO APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 244, § 2º DA CLT (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso.

II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso. (grifo nosso)

A súmula invoca o funcionário para a qualidade de sobreaviso apenas se estiver em regime de plantão, ou seja, por estar ciente de que a qualquer momento pode ser contatado, ou seja, o que acarretaria em uma ciência expressa de sua obrigação. Entretanto não podemos afastar que devido as práticas habituais do uso do aplicativo e a troca de mensagens entre empregado e empregador essa ciência resta demonstrada de forma tácita em saber que quando o funcionário chegou na empresa precisou se adequar a esta forma de trabalho por meio da comunicação através dos grupos existentes no aplicativo.

Cumpre salientar que a literalidade da súmula prevê que o simples fornecimento dos meios de comunicação pelo empregador não é capaz de enquadrar o empregado no regime de sobreaviso, sendo de rigor a limitação do direito de ir e vir do trabalhador, com restrição de locomoção.

Em relação a disponibilidade e principalmente ao direito de ir e vir limitando-se à subordinação, a doutrinadora Alice Monteiro de Barros traz mais um ponto importante: a questão psicológica. Afirma que o funcionário condiciona-se psicologicamente a esperar a qualquer momento de uma mensagem do seu superior por meio de seu aparelho celular, o que o coloca na situação de sobreaviso. (BARROS, 2006).

Em contrapartida o doutrinador Sergio Pinto Martins avança na discussão e preleciona que o empregado tem total liberdade mesmo dispondo deste aparelho de comunicação, de modo que nada o impede de se locomover e teoricamente até realizar qualquer outra função laboral em seu horário de descanso (MARTINS, 2008).

Aqui temos a disponibilidade, bem como o direito de ir e vir e a situação psicológica do empregado em questão. Portanto, é de bom tom ressaltar que os dois requisitos anteriormente mencionados passam a ser existentes no campo formal.

De um lado temos o funcionário limitando sua disponibilidade temporal e do outro a prática rotineira da empresa, condiciona-se a adequar-se a situação de trabalho que lhe é exposta passando a concordar tacitamente com a atitude de seu empregador de lhe incomodar em horário distinto do que lhe fora acordado em seu contrato de trabalho.

A evolução da tecnologia permitiu que o empregado pudesse resolver problemas atinentes a seu serviço, fora do local de trabalho, mas permitindo maior mobilidade: não era mais necessário permanecer no restrito espaço geográfico da casa, não pairando argumentos que existe SIM a figura do sobreaviso no caso em comento.

Desta forma, o empregado que, em período de descanso, for escalado para aguardar ser chamado por celular ou outro instrumento de comunicação, a qualquer momento, para trabalhar (mesmo que em regime domiciliar), está em regime de sobreaviso. Se o empregado for acionado, receberá horas extras correspondentes ao tempo efetivamente trabalhado. Uma vez caracterizado o sobreaviso, o empregado tem direito a remuneração de um terço (1/3) do salário-hora multiplicado pelo número de horas que permaneceu à disposição.

Agora, levando em consideração que a remuneração das horas extras é diferente da de sobreaviso, vale a pena trazermos a voga tal instituto para saber como faria jus a este outro direito diante de tal situação.

6 A HORA EXTRA COMO ADICIONAL AOS EMPREGADOS QUE USAM GRUPOS DE WHATSAPP DA EMPRESA

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 7º, inciso XVI rege que é possível a existência de prorrogação de trabalho, entretanto autorizada em casos extraordinários, tornando devida a remuneração “superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal”.

Outrora na prática o que se observa é o uso das horas extras de forma habitual, o que não seria viável devido à saúde e segurança do trabalhador (GARCIA, 2014).

A hora extra já faz parte do vocabulário da maioria das pessoas, mas ainda gera muito desentendimento, como no caso acima. Hora extra é aquele período que o empregado fica à disposição da empresa após o expediente, de forma contínua, após a sua jornada ou a jornada que é realizada em dia de folga (um feriado ou domingo trabalhado, por exemplo).

No primeiro caso, o trabalhador recebe, além do valor pela quantidade de horas trabalhadas a mais, uma remuneração extra (por isso o nome) de, no mínimo, 50% a mais do que normalmente recebe. No segundo caso (domingos e feriados), o valor é de 100% a mais.

Outrora cabe esclarecer que quando aplicada a hora extra, o funcionário trabalha, já quando se adequa ao sobreaviso, ele não trabalha, porém fica à disposição da empresa, em casa, ou agora como passamos a analisar em qualquer local que esteja ciente de que possa ser localizado e no aguardo de ser chamado pelo seu empregador para prestar informações ou mesmo comparecer a empresa para o trabalho fisicamente dito.

Partindo deste viés estamos diante de uma inovação jurídica, já que quando o funcionário esta conectado ao grupo de Whatsapp criado pela empresa, indiretamente ele está trabalhando, respondendo questionamentos de metas, prestando informações de clientes, entre outros, entretanto de forma virtual. Ou seja, está disponível, mas não precisa se direcionar ao ambiente físico empresarial, precisando, contudo estar a postos de qualquer chamado de seus superiores.

Pode parecer uma discussão sem nexo para configurar essa forma de trabalho adicional, outrora essa pequena confusão gera enorme impacto no contracheque, de modo que caso ele estivesse trabalhando efetivamente fora do seu turno habitual receberia suas horas extras.

Colocando mais lenha na fogueira e deixando o assunto mais explanado temos também a hipótese desta interação virtual nos grupos se da no período após as 22h, o que ensejaria o adicional noturno. O seja, mais uma forma de remunerar o trabalhador que é injustiçado por ficar ligado em horários distintos de sua jornada laboral com o empregador.

Percebe-se que a discussão está na forma que o funcionário será compensado para com seu tempo de descanso, dispendido em prol de seu labor.

A legislação é constante mutável e os avanços tecnológicos estão longe de cessarem, portanto não existe uma resposta legalmente precisa ainda para esta demanda.

Classificar o tempo utilizado fora da jornada habitual de trabalho em sobreaviso seria o mais preciso, entretanto, se dispuser efetivamente deste tempo na empresa ou em qualquer outro local remunerá-lo na forma que se faz com as horas extras, afinal, em ambos os casos ele fica limitado e a lei quer recompensar essa limitação e não o fato de ele estar em casa. E foi justamente essa injustiça que o TST corrigiu indiretamente com sua súmula: se o trabalhador está de sobreaviso, ele recebe por isso. Não importa onde ele fica.

Em síntese dizemos que se o empregado estiver com sua disponibilidade em prol de seu empregador receberia pelo tempo de sobreaviso, e caso seja necessário ocorrer seu deslocamento para o trabalho fisicamente efetivo receberia também pelas horas extras trabalhadas no adicional de 50% (cinquenta por cento).

Não estamos próximos de seguir linearmente estes avanços das novas formas de comunicação, porém estamos cientes de que os direitos existem e precisam ser respeitados, garantindo uma qualidade de trabalho aos empregados e uma boa produtividade aos seus empregadores.

CONCLUSÃO

O avanço das novas tecnologias possibilita que o trabalhador esteja mais inserido na vida da empresa, mesmo quando não está fisicamente no estabelecimento devendo o empregador respeitar, em relação ao trabalhador, a jornada diária de oito horas.

Respeitar esse limite é importante para que vida social, o convívio em família, os momentos de lazer não sejam abalados. Portanto, o empregador não pode exigir que o funcionário responda e-mails fora do horário do serviço, sem que ele seja remunerado para isso.

A prática reiterada de empresas criarem grupos de Whatsapp, incluírem os funcionários e fomentar uma rede de debates sobre assuntos relacionados ao trabalho vem gerando todo esse transtorno na legislação que tenta dar um nó para recompensar o empregado que fica a mercê de seu órgão empregador.

Quantos falamos do sobreaviso o funcionário não necessita ir à empresa, porém, deve estar atento ao celular, caso seja requisitado para alguma atividade. Nesta situação, o trabalhador também precisa ser remunerado, onde cada hora de sobreaviso equivale ao pagamento de 1/3 do salário-hora e caso seja chamado fisicamente e efetivamente receberia hora extra.

A mudança na legislação é constante e estamos longe de alcançar as inovações tecnológicas. Comunicação e Direito estão tentando andar paritariamente, porém a morosidade nos debates acerca do tema ainda deixa o empregado por algum tempo em situação de descompasso ao ser remunerado na forma correta e devida pelo seu trabalho oferecido e posto à disposição da empresa.

Bruno Alberto Soares Guimarães**

 

REFERÊNCIAS

BERTON, Daiana Ledel. Jornada de trabalho: função social. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3465, 26dez. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23305>;. Acesso em: 28 jan. 2015.

CAIRO JUNIOR, José. Curso de Direito do trabalho. Editora JusPodivm, 9 ed., 2014,

O caso dos exploradores de cavernas. Tradução do original inglês e introdução por Plauto Faraco de Azevedo. Porto Alegre, Fabris, 1976.

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* Artigo científico apresentado ao curso de Pós Graduação lato sensu da Faculdade Santa Terezinha – CEST, para obtenção do título do grau de Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

* Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo CEST - Faculdade Santa Terezinha e em Direito Público pela UCDB - Universidade Católica Dom Bosco.

[1] Conceito extraído do site http://www.whatsapp.com/?l=pt_br, acesso em 28/01/2015.

[2] Dados do site do Jornal O GLOBO, http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/whatsapp-chega-mais-de-700-milhoes-de-usuarios-ativos-m..., acesso em 28/01/2015.

[3] Trecho do Projeto de Lei31299/2014.

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