A celebração dos 37 anos de existência da nossa Constituição, neste mês de outubro, nos remete a um dos seus mais importantes pilares, o dos direitos sociais. De fato, sem direitos sociais básicos a permitir a igualdade de oportunidades, não se pode falar em democracia e, em última análise, na própria liberdade. Daí a importância do artigo 6º da Constituição de 1988 que detalha amplamente os direitos sociais, ali incluindo a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Um catálogo extenso que levou Ulisses Guimarães a chamá-la de “Constituição cidadã”.
Essa abrangente cobertura constitucional resultou na consolidação do conceito de cidadania, na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), além de outras instituições ligadas à maternidade e à infância, garantindo, ainda, direitos específicos para comunidades indígenas e quilombolas. Todavia, a implementação de muitos desses direitos depende de políticas públicas bem formuladas e executadas de forma eficaz pelas três esferas de poder. É quando as coisas se complicam, a começar pela base, os municípios, e logo pensamos nas “prioridades” das prefeituras do nosso Maranhão, estado em que o IDH resiste e persiste como o mais baixo da Federação.
Quando os governadores dos Estados exerciam um poder de coordenação maior e mais efetivo frente aos municípios, podiam fazer uma cobrança mais forte pelo desempenho das gestões. Hoje, no entanto, os municípios recebem recursos de inúmeras fontes, inclusive via emendas parlamentares, o que lhes dá uma certa autonomia frente ao gestor estadual, resultando em um descompasso na execução dessas políticas, em especial no âmbito dos direitos sociais. Assim, pelos indicadores altamente negativos que o Estado ostenta nesse campo, logo se vê que a ineficiência de gestão é recorrente, entra e sai governo e tudo fica na mesma.
A Constituição, porém, tem feito a sua parte, assim como a doutrina e a jurisprudência. Mas na hora de dar efetividade à norma de natureza social, o Poder Executivo fica patinando, no que resulta em um paradoxo: temos uma economia pujante e moderna, mas somos terrivelmente atrasados socialmente. Isso se explica porque temos uma enorme dificuldade para fazer chegar os direitos sociais ao conjunto da sociedade por parte de municípios, estados e União.
Este é, de fato, um tema constitucional de extrema importância, pois está vinculado à efetivação dessas normas fundamentais, sobretudo em um país como o nosso que guarda diferenças regionais e de desenvolvimento bastante acentuadas. Considerada uma norma principiológica, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais – que na Constituição brasileira aparece logo no art. 3º, III, como um dos objetivos fundamentais da República – sempre é citada como norma prioritária, mas, infelizmente, de execução fracassada.
Assim, a premissa básica nos estados sociais e democráticos de direito reside em não haver liberdade efetiva onde não haja direitos sociais básicos. E neste mês de outubro, quando celebramos os 37 anos da Constituição, convém salientar que ela nos trouxe muitas promessas sociais, mas, ao mesmo tempo, por ineficiência de gestão, muitas frustrações de igual monta. Acrescente-se que a cultura política de natureza oligárquica e patrimonialista freia o desenvolvimento econômico e impede a modernização social, vale dizer, o acesso aos bens econômicos, culturais e sociais. O ativismo judicial, neste contexto, se justifica sem maiores divergências. Sob essa ótica, alinho-me a tese de que as pessoas possuem direitos subjetivos às prestações estatais e às consequentes políticas públicas para fazê-los efetivos, o que confere ao Poder Judicial legitimidade e competência para garantir o desfrute dos direitos sociais, mediante o asseguramento das políticas sociais do Estado, sem que isso implique em usurpação de competência dos demais poderes.
Em síntese, podemos dizer que no Brasil, em que pese as garantias legislativas e judiciais para tornar efetivos esses direitos, a estrutura cultural e política do país oferece um obstáculo suplementar a esse propósito. São eles: 1) a burocratização; 2) a corrupção; 3) as políticas públicas ineficientes ou inexistentes; 4) os direitos sociais tomados como “assistencialismo social” em detrimento de seu caráter universal. Ou seja, uma clara e generalizada ineficiência de gestão…
Por fim, analisando esse contexto constitucional-social, pode-se dizer que no Brasil a “união do povo com o Estado”, por meio da Constituição, tem sido um casamento conflituoso, em meio a tantas infidelidades constitucionais, mas, ainda assim, uma união duradoura…
*Professor e advogado, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP