21/10/2025

A tragédia de Khodynka e o subjetivismo dos juízes

Autor: Alexandre José Trovão Brito

A Tragédia de Khodynka, em maio de 1896, ocorreu durante os festejos em honra ao coroamento do último czar russo, Nicolau II. Em 18 de maio de 1896, aproximadamente meio milhão de pessoas foram aos campos de Khodynka em honra ao novo “Senhor de Todas as Rússias”. Quando o czar ofereceu presentes para a multidão, ou ao menos pelos ruídos da oferta, 1.300 pessoas morreram pisoteadas por uma multidão em histeria.

A tragédia, também conhecida como “Domingo Sangrento”, ainda rendeu ao monarca o epíteto de “O Sanguinário”. Afinal de contas, a notícia do trágico acontecimento chegou aos palácios. Ainda assim, os bailes não cessaram. Reza a lenda que a nova czarina ficou desconfortável com a valsa embalada pela morte de tantas pessoas. Mas, aconselhado por um membro da Família Real, Nicolau II fez seguir as comemorações. Teria escutado ao pé do ouvido: “Isso será uma tragédia apenas se você quiser”.

O subjetivismo dos juízes em terrae brasilis não produz(iu) nenhuma tragédia à la Khodynka, contudo, gerou o estilhaçamento epistêmico da nossa ordem jurídica. Subjetivizar a aplicação dos nossos códigos legais e da nossa carta constitucional oitentista não é uma escolha institucional ou um projeto de poder, mas um empreendimento fadado ao insucesso.

O juiz brasileiro acredita ser “O senhor de Todos os Brasis”. A sua postura antilegalidade, antidemocraticidade, antijuridicidade nos custou muito caro. As nossas escolhas institucionais pavimentam o nosso futuro, moldam aquilo que seremos e definem uma nova trajetória a ser seguida.

As teses precedentalistas tem al(can)çado espaços cada vez maiores em nosso Poder Judiciário. Marinoni, um dos maiores entusiastas dessas teses, afirmou que as nossas cortes se tornaram “cortes de precedentes”. Sinais de tempos em que o nosso Sistema Judicial precisa melhorar, urgentemente, para cumprir com a missão de entregar uma prestação jurisdicional eficiente e racional.

Sou um jurista kryptonizado pela cultura antilegalista do meu país. Desde criança tenho uma queda pelas regras, formalidades e protocolos. Sou ab ovo dessa forma.

Nunca consegui entender como um país com dimensões continentais e com um futuro rutilante não consegue escapar dos arbítrios dos donos do poder. O cangaço jurídico em que estamos inseridos é algo sintomático: matamos o Direito no Brasil.

A Teoria do Direito Divino legitimou o poder dos reis sobre a Terra. Os juízes brasileiros foram além dessa teoria. Eles acreditam que são o próprio Deus na Terra. Retrocedemos. Precisamos dar novos rumos para o Direito no Brasil. Estou tentando com o meu discurso e debaixo dos escombros do nosso ordenamento jurídico, lutar contra o decisionismo judicial.

La noblesse de robe brasileira é uma casta de indivíduos, com um discurso empolado, pomposo, requintado e que não esconde uma bazófia fora dos padrões. O Direito não é o que os juízes querem. Ele não é um produto de um Poder que sempre foi conhecido pelo seu arbítrio. O Direito é algo construído intersubjetivamente. Os seus atores dialogam entre si.

A nossa jurisdição constitucional precisa ser formada por juízes de um novo regime. La noblesse de robe era um grupo do antigo regime. Os juízes devem descer do pedestal e iniciar uma nova jornada no Direito. Precisamos praticar a escuta dos jurisdicionados, aplicar o Direito, abandonar solipsismos e superar o voluntarismo dos juízes.

Os textos jurídicos existem para serem interpretados e aplicados. A applicatio significa o espaço de liberdade que o intérprete possui para a atribuição de sentido. Os intérpretes do Direito estão condenados a interpretar os comandos legais. Esse é o papel dos operadores do Direito. Friedrich Müller disparou o alerta: “os textos podem revidar”.

E o Backlash é violento.

Alexandre José Trovão Brito é Especialista em Direito de Execução Penal pelo CEI. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão. Advogado em São Luís (MA).

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