04/11/2016

10 MEDIDAS CONTRA A CONSTITUIÇÃO

Autor: Pedro Augusto Souza de Alencar: Advogado; Professor Universitário; Vice Presidente da OAB/MA; Presidente da Comissão de Defesas das Prorrogativas.

           O Ministério Público Federal lançou a campanha “10 medidas contra a corrupção”, que se fundamentaria, na crença deles, em um Brasil mais justo, com menos corrupção e menos impunidade.

           Referem-se a um círculo vicioso de corrupção no País, pelo que afirmam a necessidade de mudanças sistêmicas e estruturais. Ao mesmo tempo, quanto ao seu mister, alegam que atuam com rapidez e agilidade nos processos que envolvem crimes de corrupção.

           Questiona-se: o que realmente querem com as medidas contra a corrupção?

           Antes de responder, vamos conhecer algumas das 10 medidas:

           1)Eficiência dos recursos no processo penal:

           Com essa medida propõem 11 alterações no processo penal, sob a alegação de que existem muitos recursos protelatórios. Por isso, pedem supressão de recursos, fim da possibilidade de apresentação de razões recursais na segunda instância, execução imediata da pena quando se reconhecer abuso do direito de recorrer.

           Ainda, requerem a extinção dos embargos de embargo, que os recursos criminais não se submetam à figura do “revisor”, para se garantir a celeridade.

           Ataca-se, também, o Habeas Corpus, exigindo que se evitem a LIBERDADE sem que exista um quadro de informações “mais completo”.

           2) Reforma no sistema da prescrição:

           Requerem a ampliação dos prazos prescricionais, como ocorreria “em outros países”. Justificam que a pretensão do Estado de punir é COROADA com a condenação. Querem a extinção por completo da prescrição retroativa. Conforme justificativas expostas no site do MPF, sentem-se, com isso, injustiçados.

           3) Ajustes nas nulidades penais:

           Mudanças nos arts. 563 a 573 do CPP, com 05 (cinco) objetivos: 1) ampliar as preclusões de alegações de nulidades; 2) condicionar a superação de preclusões à interrupção da prescrição a partir do momento em que a parte deveria ter alegado o defeito e se omitiu; 3) estabelecer o aproveitamento máximo dos atos processuais como dever do juiz e das partes (em detrimento de que?); 4) estabelecer a necessidade de demonstração pelas partes do prejuízo gerado por um defeito processual, à luz de circunstâncias concretas; e 5) acabar com a prescrição com base na pena aplicada em concreto, evitando a insegurança jurídica em relação à pretensão punitiva estatal.

           Ainda, nesse tópico, querem a PONDERAÇÃO de direitos e interesses quando da avaliação da exclusão da prova ilícita.

           4)Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado:

           Essa é incompreensível! Criação de mais uma prisão cautelar para evitar a dissipação do dinheiro ilícito ganho com crime? De tão especiosa, essa proposta pode até mesmo ser interpretada como uma ameaça à liberdade, uma espécie de tortura, moderna e velada, para que eventual produto de crime seja devolvido aos cofres públicos.

           Agora sim, responde-se o que querem com tais medidas.

           Há pouco tempo o Brasil viveu um período conturbado quando os militares assumiram o Poder como salvadores da pátria para se acabar de vez com a corrupção.

           Para garantir tal finalidade, concentraram Poder e agiram sem qualquer lei que os autorizasse ou regulamentasse. Aos poucos, criavam os Atos Institucionais, cercearam direitos e liberdades em nome da “ordem”.

           Chegaram ao ponto de, em 1968, publicarem o famoso AI-5. Tal medida acabava com a liberdade da população, cassando os direitos políticos, tais quais: cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:

           a) liberdade vigiada;

           b) proibição de frequentar determinados lugares;

           c) domicílio determinado.

           Tudo isso, em nome do combate à corrupção e para garantir a ordem e segurança. O fim primeiro eram os “políticos”. Mas percebam que quem sofreu foi a população.

           O ato, ainda, suspendeu as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade.

           Faz-se o registro final sobre o Ato. Ele deu Poder ao Presidente da República (militar) após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública.

           Isso mesmo. Vejam a semelhança com as medidas contra a corrupção. Sempre as medidas drásticas são bem fundamentadas, se apresentam como salvadoras. Mas não há medidas justas que representem violação das garantias aos cidadãos brasileiros.

           Percebe-se que o Ministério Público tenta acabar com a presunção de inocência, conseguida a custo de muito sangue, em nome, mais uma vez, do combate à corrupção.

           Em relação à primeira medida acima mencionada, pergunta-se: Supressão de recurso combaterá a corrupção? Fim da possibilidade de apresentação de razões recursais na segunda instância combaterá a corrupção? Execução imediata da pena combaterá a corrupção? Não, claro que não.

           Chegam a atacar o Habeas Corpus, invertendo os valores. Não é necessário quadro de informação completo para se garantir a liberdade do cidadão, mas, sim, o contrário. Não há remédio constitucional mais brilhante para se coibir a ilegalidade e abuso de poder do Estado, sendo criado com a evolução dos direitos humanos.

           Um dos maiores Brasileiros da História, Rui Barbosa, não gostaria de assistir a toda essa discussão esdrúxula, descabida e fantasiosa, oportunista pelo momento delicado da política brasileira. “A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é o maior elemento da estabilidade.”

           Já na segunda medida acima mencionada, querem ampliação do prazo prescricional, como ocorre “em outros países”.

           Quais países? Essas fundamentações genéricas em relação ao direito alienígena são sempre “perturbadoras”.

           A visão distorcida e leviana dos militares de 1964 se assemelha a do MPF, tanto que este, quando de suas razões na “campanha”, justifica que a pretensão do Estado de punir é COROADA com a condenação.

CARAMINHOLA!

           No Brasil, há o Princípio da Intervenção Mínima, determinando que o Estado só atue repressivamente como último recurso para a proteção do bem jurídico tutelado, em respeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. O Princípio da Intervenção Mínima limita e orienta o poder incriminador do Estado.

           Pedem a extinção por completo da prescrição retroativa. As únicas justificativas expostas são pelo fato de se sentirem injustiçados. Esquecem que o instituto da prescrição apenas limita o poder punitivo do Estado, para não se persistir no tempo, além de existir no Brasil crimes imprescritíveis.

           A terceira medida acima narrada ataca as nulidades processuais. Dentre várias sugestões, mais uma vez distorcem a regra de um Estado Constitucional, Republicano e Democrático.

           O Estado Democrático de Direito, repete-se, de Direito, deixa claro que de um lado está o poderoso Estado e, de outro, o cidadão. Nesse passo, fragmentam o Poder Estatal e trazem garantias pétreas ao cidadão - vide Constituição Cidadã de 1988.

           Além disso, impõem ao Poder Público o ônus probatório e exigem presteza por parte dos agentes públicos. Seus erros ou desídias são anuláveis. Não há que se falar combate à corrupção com o fim ou limitação de nulidade processual. O que deve fomentar é uma maior cultura de exigência aos agentes públicos (inclusive membros do MP), para que atuem com eficiência, presteza etc. e evitem a ocorrência da prescrição e nulidades.

           Finalizam tal medida exigindo a PONDERAÇÃO de direitos e interesses quando da avaliação da exclusão da prova ilícita. Ora, percebe-se mais uma vez a limitação de Direitos do cidadão, o que é inaceitável. Como se conceber o combate ao crime cometendo-se outros crimes?

           Por fim, querem mais uma modalidade de prisão preventiva, dessa vez, para “assegurar” a devolução do dinheiro desviado. Tal medida não traz qualquer fundamentação compreensível, além de violar normas e postulados da Constituição.

           Trata-se de uma TORTURA.

           No Brasil já existem 03 (três) modalidades de prisão cautelar (preventiva temporária, e em flagrante delito). A prisão preventiva vigente é suficiente para retirar a liberdade de um agente político caso presentes os requisitos autorizadores (prova da materialidade e indícios de autoria + perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta).

           Além disso, é possível, assim como muito comum, o bloqueio de bens dos agentes políticos suspeitos de desvios de dinheiro público, mediante procedimentos próprios previstos no Código de Processo Penal e na legislação especial.

           Qual a necessidade de encarceramento de denunciados, ainda não condenados, se há disponível no sistema jurídico hipótese de bloqueio de bens, valores em dinheiro, matrículas de imóveis, arresto e sequestro de bens móveis, dentre outras medidas de caráter constritivo?

           Alguém tem dúvida da importância do Ministério Público ao País? Não! São, realmente, imprescindíveis, assim como os militares. Mas, todavia, não se pode aceitar, mais uma vez, em menos de 50 (cinquenta) anos de História, uma nova onda de violação aos direitos dos cidadãos.

           Por tais razões, e, também, pela confiança nutrida na grande maioria desses profissionais, principalmente na sensibilidade de se construir um País melhor sem tolher os direitos individuais, é que se convoca para que ser faça uma revisão e se decida pela retirada das 04 (quatro) medidas aqui analisadas, vez que lesivas ao nosso Estado de Direito.

            Pedro Augusto Souza de Alencar

         Advogado; Professor Universitário; Vice Presidente da OAB/MA; Presidente da Comissão de Defesas das Prorrogativas.

 

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