21/07/2016

A APLICAÇÃO CORDIAL DA LEI

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

As interpretações dos brasileiros como cordiais, presentes nas obras de Gilberto Freire, de Sérgio Buarque de Holanda, são desmentidas pelo número de assassinatos, um dos maiores do mundo por habitante, pelos crimes violentos praticados nas pessoas de crianças, adolescentes e idosos, contrariando a propalada índole pacifica sustentada por historiadores e sociólogos. Em outra visão, autores como Eduardo Giannetti apontam o Brasil como novo marco civilizatório, contrapondo-se as experiências capitalistas e socialistas, como sustenta no recente livro “Trópicos Utópicos”. O dramaturgo Nelson Rodrigues após a vitória na Copa de 1958, dizia que por fim o país havia superado o “complexo de vira-lata”.

A verdade não se situa nem na exaltação, nem na humilhação da nossa cultura. Rui Barbosa, após a Conferência de Haia, nela, chefiou a delegação brasileira, pronunciou a conhecida frase: após ter contemplado as outras nações, aprendeu a admirar a sua. A violência avassaladora de agora se espalha por todo o universo, decorrente do aumento das desigualdades sociais, do tráfico internacional de drogas e do consumismo voraz. O Brasil não poderia ser exceção à regra, basta olhar para os conflitos econômicos, étnicos, religiosos, em todos os continentes.

A corrupção em todas as esferas liga-se a estupidez da submissão da sociedade e do Estado a volúpia dos lucros fáceis, a despreocupação com o outro, ao aparelhamento das agências estatais para fins privados, sem quaisquer compromissos com os interesses comuns da coletividade.

A interpretação e a aplicação das leis não se dissociam dos dados da nossa cultura. Autores respeitados como Alberto Torres, Oliveira Viana, Raimundo Faoro, apontam para as distancias entre as leis e a realidade social no Brasil. O traço remonta ao período colonial em que os funcionários do reino traziam as leis da metrópole, por eles mesmos descumpridas e desrespeitadas. É sempre lembrado o episódio da assinatura de Dom Pedro I com a Inglaterra, de um Tratado, proibindo o tráfico de escravos, descumprido pelo império brasileiro, daí, vem a expressão “para inglês ver”.

O legado ultrapassou o período colonial, passou por todas as repúblicas. Nos anos trinta do século passado, cunhou-se a frase atribuída a Getúlio Vargas, e para outros de autoria do político mineiro Benedito Valadares: “ para os amigos tudo, para os inimigos, apenas os rigores da lei”.

Em outras palavras, as leis não se aplicam aos amigos dos governantes, assim como não se aplicavam aos amigos do Rei. A Democracia fica impossibilitada por esse critério legal. Sua primeira condição é a da igualdade de todos perante a Lei. Construiu-se a partir do parâmetro doutrinas seletivas de aplicação, de forma branda para os amigos, e brutal para os inimigos.

Rui Barbosa, a figura mais proeminente da Primeira República, sustentava que a lei que me protege deve fazer o mesmo em relação ao meu adversário. A tese não prevaleceu no sistema de oligarquias regionais mandonistas. Ele próprio terminou vítima do entendimento, tendo que partir para o exilio na Inglaterra. Autores considerados passaram a nominar o modelo hermenêutico de aplicação cordial de aplicação da Lei. A expressão passou a adquirir outro significado, não querendo dizer índole pacífica, mas do padrão de proteção aos privilegiados. O ministro Luís Roberto Barroso, opõe-se ao foro privilegiado ou de prerrogativa de função, dentre outras razões, por se configurar em elitismo não coadunável com a igualdade de todos perante a Lei.

A República instaurada pela Constituição de 1988 conhece o fato novo de empresários e políticos encarcerados, com processos em andamento, algo inédito, sem entrar no mérito se as garantias legais estão sendo obedecidas ou se os julgamentos são justos.

As oligarquias instaladas no Parlamento estão conhecendo os braços da Justiça e da Polícia que outrora alcançavam apenas o “P.P.P”, sigla para dizer: pobre, preto e puta. As consequências posteriores dos processos dirão se estamos caminhando para efetiva igualdade de todos perante a Lei. É inquestionável que juízes da nova geração, formados em ambiência democrática, o mesmo se dizendo em relação a membros do Ministério Público, e a policiais, além de avanços na legislação, estão contribuindo para a utilização de novos paradigmas na interpretação e aplicação das Leis.

Mas isso por si próprio não resolverá se não se efetivarem as reformas do Estado e da política como pedem as manifestações populares de 2013 para cá. A construção da democracia é tarefa de todos.

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