18/03/2016

ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA

Autor: Professor João Batista Ericeira


Em 1970, o Festival de Cinema de Cannes premiou o filme de Elio Petri “Investigação Sobre Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, versando sobre um investigador de polícia, da cúpula, que assassinou a amante. Para testar como a organização reagiria diante da suspeita da autoria do crime, colocou propositadamente provas que pudessem incriminá-lo. Todas elas desprezadas pelos investigadores que tudo faziam para propositadamente inocentá-lo. A obra premiada com o Oscar de filme estrangeiro no mesmo ano, se constituiu em crítica aos aparelhos policial e judiciário, as suas distorções, desvios e erros.


E porque não dizer acertos, como bem disse o filósofo inglês Bertrand Russel, o mais correto dos cidadãos deve a sua conduta, em parte, a existência da polícia. Talvez um dia cheguemos a uma sociedade em que os homens autorregulem os seus comportamentos, dispensando os controles institucionais de juízes e policiais. Enquanto isso não ocorre, convém amoldá-los aos controles democráticos da sociedade a que servem, podando e corrigindo os excessos cometidos.


As reflexões relacionam-se aos episódios que povoaram os meios de comunicação, a medida coercitiva tomada contra o ex-presidente Lula, levando-o a depor sobre os fatos capitulados nos processos da Operação Lava Jato. De início, lendo-se a decisão do juiz Sérgio Moro, vê-se que ele a determinou caso houvesse resistência de parte do depoente. Não houve. Ele mesmo relata o bom tratamento dispensado. No mesmo despacho, o magistrado assinala a necessidade de deixá-lo fora do foco das câmeras para evitar constrangimentos.


Nada disso ocorreu. Na sociedade dos espetáculos midiáticos, a diligência transformou-se em show televisivo, levou as emissoras de rádio e televisão a elevados picos de audiência, registrando os embates travados entre os partidários e os adversários do ex-presidente, que reclamou contra o julgamento antecipado da mídia. Afinal, formalmente ao que se sabe, ele não é indiciado nos processos da Lava Jato, que na última faze operacional recebeu a denominação grega de Aletheia, isto é, a busca da verdade.


A verdade é o que a sociedade quer saber. Que existe uma rede enorme de corrupção sangrando a Petrobras, empresa considerada espinha dorsal da economia nacional, não há dúvida. Envolve agentes públicos, empresários, deputados, senadores, banqueiros, em parte conectados ao caixa dois para financiamento de campanhas eleitorais, também é indiscutível.


O Juiz Federal Sérgio Moro da 23ª Vara de Curitiba, os Procuradores da República, os Agentes da Polícia Federal, merecem o respeito e a admiração da sociedade brasileira, primeiro por estarem cumprindo o seu dever funcional, segundo, por evidenciarem o funcionamento das instituições, afirmando que a lei é para todos, ricos, médios e pobres.


Isso não quer dizer que não cometam erros nas decisões judiciais e nas execuções delas. O caminho não é achincalhar as instituições e seus agentes, mas recorrer as instâncias superiores, denunciando distorções e erros para o amplo conhecimento do cidadão, da opinião pública. É assim que funciona no Estado Democrático de Direito.


Consultada a sociedade, tenho a convicção de que a maioria não deseja nem o Estado policial, nem a ditadura do Judiciário, que aspira por operações e julgamentos em obediência estrita aos ditames constitucionais e preceitos legais. A apropriação dos fatos com propósitos partidários e eleitorais também é inevitável. Fala-se em conspiração da mídia poderosa articulada com propósitos financeiros para derrubar o grupo de poder instalado na Presidência da República, invocando-se os precedentes de 1945, 1954, 1964. Tudo é possível. O Tribunal da História revelará a verdade.


Para a advocacia interessa, por imposição constitucional, que os acusados tenham amplo Direito de Defesa, que saibam do que estão sendo acusados, dos fatos típicos que lhes são atribuídos. Responder a processo é um ônus a que todos nós cidadãos estamos sujeitos, com as devidas garantias e a celeridade nas decisões para que se livrem o mais rápido possível dos desconfortos e constrangimentos. Ao longo da trajetória profissional temos nos deparado com processos absurdos, montados por agentes do Estado. Alguns deles desmontados pela advocacia atuante e diligente na elucidação das “verdades contidas nos autos”.


No Estado Democrático de Direito não existe cidadão acima de qualquer suspeita. A Lei é aplicável para todos, ricos, médios e pobres. Governantes e governados. Para todos aplicam-se as mesmas cautelas de evitar desconfortos e situações vexatórias. Também é válido para todos os cidadãos o preceito constitucional da presunção da inocência até o trânsito em julgado da sentença.

Receba nosso informativo

Receba semanalmente as principais notícias sobre a advocacia do Maranhão.

Cadastro efetuado com sucesso.