RECORTE DA NORMA
A Lei n°. 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 34, inciso VIII, diz: “Constitui infração disciplinar: estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário”.
COMENTÁRIOS
Constitui infração disciplinar estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado no polo contrário. É o que estabelece o inciso VIII do art. 34 do EAOAB.
Portanto, é defeso ao advogado buscar ou celebrar ajuste ou acordo com a parte adversária sem que o seu cliente o autorize expressamente. A autorização pode constar nas procurações judiciais com previsão de poderes especiais para transigir, sem a qual há necessidade de permissão específica e pontual. A assinatura conjunta do cliente na formalização do acordo, outrossim, purga qualquer dúvida acerca da aquiescência.
Mesmo que o advogado repasse os valores recebidos no acordo, se não houver autorização do cliente, estará configurada a infração, pois o tipo do inciso VIII não se confunde com locupletamento. Quando o acordo é feito à revelia do cliente e os valores sequer repassados ao destinatário, tais infrações devem ser aplicadas cumulativamente, porque incidentes os incisos VIII e XX do art. 34 do EAOAB.
Em hipótese diversa, se o cliente autorizar os termos da transação em momento posterior a sua celebração, estará afastada a infração. Mesmo que o cliente alegue não ter assentido inicialmente com a celebração do acordo, acaso posteriormente concorde com seus termos expressamente, afastada estará a incidência do referido inciso VIII.
Em outro giro, na espécie, convém que o advogado mantenha entendimento com a parte contrária através do seu respectivo procurador judicial, mas não diretamente com a parte.
Segundo a mera exegese do inciso VIII, a infração ética estaria contornada se houvesse a simples cientificação ou notificação do colega oponente quanto as tratativas diretas com seu cliente. Ou seja, a ciência do advogado contrário afastaria qualquer irregularidade ética, mesmo sem sua aquiescência quanto a abordagem frontal. Assim não se dá, obviamente, pois tal ensejaria o isolamento do advogado de um dos polos da demanda, afastando-o das suas atividades profissionais de zelar pelos direitos do seu constituinte.
Vê-se que inciso VIII do art. 34 do Estatuto explicitou menos do que deveria, razão pela qual há de ser sistematicamente interpretado em cotejo com o art. 2º, parágrafo único, VIII, d, do Código de Ética e Disciplina da OAB, o qual aponta ser dever do advogado abster-se de entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o assentimento deste. Para além da ciência, o assentimento significa autorização, aquiescência ou permissão do advogado da parte contrária, sem o que há falta ética in casu.
Além disso, referido entendimento direto, sem o assentimento do procurador contrário, constitui um gesto de desrespeito ao colega, em desafio, também, ao art. 27 do mesmo Código Ética.
O fato de a própria parte contrária procurar o advogado da parte adversária para um acordo, não exime o causídico abordado de pedir a anuência do colega para deliberação direta com o seu respectivo constituído, que tomou a iniciativa.
De qualquer maneira, com vistas à segurança jurídica e à valorização profissional, ainda que autorizado pelo cliente e mesmo que o colega opositor tenha assentido, o entendimento do advogado com a parte contrária deve se dar apenas em circunstâncias excepcionais.
Acaso o advogado contrário se oponha ao contato direito com seu cliente e/ou dificulte as negociações de acordo, basta que a parte interessada requeira em juízo a realização de uma audiência de conciliação, ou busque uma mediação extrajudicial.
PRECEDENTES RELACIONADOS DO CONSELHO FEDERAL DA OAB
Recurso n. 21.0000.2022.000095-0/SCA-STU. Recorrente: J.S.S. (Advogados: Jefferson de Souza Santana OAB/RS 29.968, Vagner Soares Guimarães OAB/RS 94.281 e outros). Recorrido: G.A.A.S/S. Representante legal: L.T.G. (Advogados: Leida Taborda Grzechota OAB/RS 67.431 e Vinicius Taborda Grzechota OAB/RS 46.189). Interessado: Conselho Seccional da OAB/Rio Grande do Sul. Relator: Conselheiro Federal Cristiano Pinheiro Barreto (SE). EMENTA N. 030/2023/SCA-STU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Decisão definitiva e unânime de Conselho Seccional da OAB. Prescrição. Inocorrência. Advogado que estabelece entendimento com a parte adversa, sem dar ciência ao advogado contrário (art. 34, VIII, EAOAB). Infração disciplinar configurada. 1) Em relação à prescrição, não se verifica a tramitação do processo disciplinar por lapso temporal superior a 05 (cinco) anos entre os marcos interruptivos de seu curso, previstos no artigo 43, § 2o, do Estatuto da Advocacia e da OAB, os quais restaram ignorados pelo advogado, sendo suficiente a norma legal para rejeitar a prescrição arguida. 2) Advogado que mantem entendimento com a parte contrária, celebrando acordo, sem dar ciência ao advogado constituído. 3) Recurso improvido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao Recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 17 de março de 2023. Emerson Luis Delgado Gomes, Presidente. Cristiano Pinheiro Barreto, Relator. (DEOAB, a. 5, n. 1074, 03.04.2023, p. 20).
Recurso n. 25.0000.2021.000179-3/SCA-PTU. Recorrente: C.A.T. (Advogado: Claudinei Aparecido Turci OAB/SP 124.261). Recorrido: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relatora: Conselheira Federal Rebeca Sodré de Melo da Fonseca Figueiredo (PB). EMENTA N. 047/2023/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB (art. 75, EAOAB). Sessão virtual (art. 97-A, RGEAOAB). Requerimento de sustentação oral enviado por e-mail na data do julgamento. Inobservância da norma processual, que exige o requerimento em até 24 (vinte e quatro) horas antes do julgamento. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse (art. 565, CPP). Nulidade rejeitada. Entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente (art. 34, VIII, EAOAB) e recebimento de valores da parte contrária sem autorização da cliente (art. 34, XIX, EAOAB). Ausência de prova inequívoca das infrações disciplinares. Cliente que, embora alegue não ter autorizado, inicialmente, a celebração do acordo, posteriormente concorda com seus termos expressamente. Indícios que, muito embora possam pesar em desfavor do advogado representado, não podem fundamentar a condenação, forte no princípio in dubio pro reo. Recurso provido, para julgar improcedente a representação. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 18 de abril de 2023. Cláudia Lopes Medeiros, Presidente em exercício. Rebeca Sodré de Melo da Fonseca Figueiredo, Relatora. (DEOAB, a. 5, n. 1090, 27.04.2023, p. 5).
Recurso n. 16.0000.2021.000139-0/SCA-STU. Recorrente: I.M.S. (Advogado: Piero de Sousa Pinto OAB/PR 57.332). Recorrida: Mariângela de Fátima Ravanelo dos Santos. Interessado: Conselho Seccional da OAB/Paraná. Relator: Conselheiro Federal Marcelo Tostes de Castro Maia (MG). EMENTA N. 064/2022/SCA-STU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime de Conselho Seccional da OAB. Locupletamento, recusa injustificada à prestação de contas e realização de acordo com a parte contrária sem autorização do cliente (art. 34, VIII, XX e XXI, EAOAB). Infrações disciplinares configuradas. Advogada que recebe valores parciais de acordo trabalhista e se apropria indevidamente das quantias recebidas, sem comunicar sua cliente sobre a realização do acordo, somente vindo a depositar em juízo os valores recebidos, tempos depois, após a cliente manifestar sua insatisfação perante o juízo e a advogada ser intimada para comprovar que repassou a quantia à cliente, ao tempo do recebimento, ou depositar em juízo a quantia atualizada, o que efetivamente foi feito pela advogada. Recebimento de valores da parte contrária sem autorização do cliente (art. 34, XIX, EAOAB). Confirmada a materialidade. Infração disciplinar confirmada, no caso, pelas infrações de locupletamento e recusa injustificada à prestação de contas. Dosimetria. Condenação disciplinar mantida. Recurso improvido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 9 de agosto de 2022. Ezelaide Viegas da Costa Almeida, Presidente em exercício. Marcelo Tostes de Castro Maia, Relator. (DEOAB, a. 4, n. 920, 18.08.2022, p. 23).
Recurso n. 25.0000.2021.000272-4/SCA-PTU. Recorrente: C.A.S.J. (Advogados: Aroldo Joaquim Camillo Filho OAB/SP 119.016 e outro). Recorridos: A.C., A.C. e A.C. (Advogado: Rogério Lovizetto Gonçalves Leite OAB/SP 315.768) Interessado: Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Relatora: Conselheira Federal Cláudia Lopes Medeiros (AL). EMENTA N. 050/2023/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão não unânime do Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Recurso ao qual se deve emprestar ampla cognição, devolvendo-se à instância superior todas as questões suscitadas e discutidas no processo. Recurso conhecido. Decadência não configurada. Prescrição do art. 25-A do EAOAB. Inexistência. Locupletamento. Infração disciplinar configurada. No mérito, improvido. 01) O Pleno da Segunda Câmara deste Conselho Federal da OAB firmou entendimento de que, quando o acórdão proferido pelo Conselho Seccional não for unânime, o recurso a este Conselho Federal deverá ser admitido de forma ampla, devolvendo a esta instância todas as questões suscitadas e discutidas no processo, razão pela qual deve ser conhecido o presente recurso de forma ordinária. 02) Não configura a decadência - enquanto construção jurisprudencial deste Conselho Federal da OAB - quando a representação resta formalizada dentro do prazo de 05 (cinco) anos a contar do conhecimento dos fatos pela parte interessada. 03) A seu turno, o artigo 25-A do EAOAB fixa prazo prescricional para o cliente ajuizar ação de prestação de contas em face do advogado, prazo esse que não se aplica à prescrição da pretensão punitiva, que está regulamentada pelo art. 43 do EAOAB. Assim, a prescrição civil para cobrança do crédito do cliente contra o advogado não importa na prescrição da pretensão punitiva, regida por prazos específicos. 04) Resta configurado o locupletamento na medida em que não havia entre as partes formalização de contrato escrito e tampouco possuía o Recorrente autorização expressa para realização de acordo e nem para a compensação ou descontos de honorários advocatícios, nos moldes por ele realizado, não havendo comprovação de que os honorários foram cobrados na medida da contratação, configurando a infração disciplinar de locupletamento e retenção de valores a título de honorários sem a devida pactuação. 05) Recurso improvido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 18 de abril de 2023. Cláudia Lopes Medeiros, Presidente em exercício e Relatora. (DEOAB, a. 5, n. 1090, 27.04.2023, p. 7).
Recurso n. 09.0000.2020.000030-4/SCA-PTU. Recorrente: E.C.S. (Advogada: Edilane Cardoso dos Santos OAB/GO 16.412). Recorrido: R.G.N. (Advogado: Antonio Carlos Gimenez Garcia OAB/SP 250.727 e OAB/GO 32.772). Interessado: Conselho Seccional da OAB/Goiás. Relator: Conselheiro Federal Ulisses Rabaneda dos Santos (MT). EMENTA N. 049/2021/SCA-PTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Decisão definitiva e não unânime de Conselho Seccional. Alegação de cerceamento de defesa. Inocorrência. Testemunha arrolada após a audiência de instrução, sem renovação do pedido em razões finais. Ausência de demonstração de prejuízo à defesa. Estabelecimento de entendimento com parte adversa, sem autorização da cliente. Locupletamento. Infrações disciplinares configuradas. Conduta incompatível com a advocacia (art. 34, XXV, EAOAB). Ausência de materialidade. Conduta que não ultrapassa o grau de reprovabilidade do inciso XX. Dosimetria. Redução da suspensão e da multa cominada. Recurso parcialmente provido para afastar a incidência do inciso XXV, do artigo 34 da Lei n. 8.906/94, reduzir a suspensão para 60 dias, face à reincidência, e manter a multa em 01 anuidade, face à gravidade dos fatos. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Primeira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Brasília, 17 de maio de 2021. Fernanda Marinela de Sousa Santos, Presidente em exercício. Ulisses Rabaneda dos Santos, Relator. (DEOAB, a. 3, n. 603, 19.05.2021, p. 7)
RECURSO 2009.08.06541-05/SCA-STU. Rcte.: H.M.P. (Adv.: Heike Maria Penz OAB/SP 91740). Rcdos.: Conselho Seccional da OAB/São Paulo e E.P. (Adv.: Edilaine Pantaroto OAB/SP 124829). Rel.: Conselheiro Federal Valmir Macedo de Araújo (SE). EMENTA 291/2010/SCA-STU. Estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário configura infração ética definida no inciso VIII do art. 34 da Lei 8.906/94. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Senhores Conselheiros integrantes da 2ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso, mas negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator. Brasília, 06 de dezembro de 2010. Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Presidente da 2ª Turma da Segunda Câmara. Valmir Macedo de Araújo, Relator. (DJ. 23/12/2010, p. 12)