19/09/2016

AS LIÇÕES DO TRÂNSITO

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

O psicanalista Contardo Calligaris quando jovem percorreu com o pai as rodovias espanholas, à época detentoras de elevados índices de mortalidade por excesso de velocidade. A administração rodoviária deflagrou campanha de redução da velocidade, apondo cartazes nos locais de acidente com os dizeres: “aqui un muerto; dos muertos; cuatro muertos”; e assim sucessivamente. Os resultados não foram os desejados, os motoristas se julgavam muito hábeis.  O perigo era a inabilidade do outro. Teria que se começar pelo respeito ao outro.

Contei a história no início do I Seminário de Direito no Trânsito em parceria com o Detran do Governo do Maranhão. O evento teve a participação de personalidades como o vice-presidente da Associação Nacional de Detrans, Antônio Carlos Melro Golveia; do Coordenador de Educação para o Trânsito do Denatran, Francisco Vieira Garonce. Sua realização deu-se no mês da Semana Nacional Trânsito. Minha experiência nos colegiados que participei:  a complexidade da matéria não envolve unicamente exigências legislativos, requer o exame de aspectos sociais e políticos.

O trânsito reflete a sociedade, o seu povo, usos e costumes. Uma sociedade marcada por desigualdades, por privilégios, por elitismo, por falsa igualdade perante a lei, repercute essas mazelas, expressas na clássica pergunta: “sabe com quem está falando? ”. Situação repetida no cotidiano das cidades. Há pouco tempo no Rio de Janeiro, uma agente do trânsito multou certa autoridade. Esta saltou do veículo, deu-lhe uma carteirada. A pena manteve-se somente pela campanha dos meios de comunicação contra os privilégios e abusos de autoridade.

A sociedade violenta corresponde a um trânsito violento. A educação tem papel a desempenhar na mudança dessa realidade. Nas suas diversas modalidades, nos currículos das escolas, do ensino fundamental às universidades; nos meios de comunicação e redes sociais. O centro do processo educativo deve ser o cidadão e não o condutor. No elitismo brasileiro, o carro, centro de tudo, representa o que foi o cavalo no passado. Simboliza status social e poder.

O dramático é que tal como na política, o trânsito é cada vez mais questão de polícia, as mortes se repetem estampadas nas páginas dos jornais, determinadas por embriaguez alcoólica, uso de drogas, excesso de velocidade, imperícia e negligência. As sanções são brandas: prestação de serviços comunitários, distribuição de cestas básicas. A impunidade aumenta as reincidências, ajudada pela fraca sistematização das informações dos órgãos competentes. A coleta de dados não é satisfatória ao ponto de identificar as causas dos acidentes.

O Brasil, segundo informações da Organização Mundial de Saúde é o 4º país com maior número de mortos nas estradas, atrás da Venezuela e da República Dominicana determinado por: ausência de campanhas educativas permanentes, focadas em causas como: excesso de velocidade, alcoolismo, drogas. Clama-se pela aplicação de punições mais justas às infrações cometidas. Na esfera administrativa algumas penas, a exemplo da suspensão ou cassação de carteiras de habilitação, não são cumpridas.

Os especialistas convergem na conclusão:  a legislação é leniente, e o Judiciário adota o entendimento dos crimes culposos para os delitos do trânsito, gerando punições brandas, valendo a pena, pela irresponsabilidade, correr o risco de delinquir.

Convém mudar a mentalidade dos nossos operadores do Direito, levando-os a compreensão de que urge mudar o entendimento na interpretação dos ilícitos do trânsito, para apenar os vândalos com sanções graves correspondentes aos tipos dolosos. Há a delinquência específica do setor que precisa ser combatida a fim de evitar a repetição de tragédias.

Apenas a repressão não resolve. Concorrem para o agravamento dos problemas a péssima qualidade das vias públicas, construídas em esquemas de caixa 2, sem o atendimento das especificações técnicas necessárias, sem a manutenção e sinalização devidas.

Na oportunidade, lembrei da necessidade de realizar-se campanha nacional focada nos principais problemas do trânsito e nas causas da mortalidade. Citei o bem-sucedido exemplo da campanha contra o tabagismo. Alegou-se os seus elevados custos. Sugeriu-se então uma compensação tributária, como se procede com o horário da Justiça Eleitoral.

Afinal, a vida humana não tem preço. O Seminário, coroado de êxito, é uma demonstração viva da necessidade da parceirização de órgãos públicos e privados na defesa dos interesses coletivos. Todos os créditos do sucesso a Diretora-Geral do Detran, Larissa Abdalla Brito e sua equipe; ao coronel Sá; ao pessoal da ESA; ao Nelson Brito e a Comissão do Trânsito da OAB. Foram muitas as lições do Trânsito.

 

http://www.ericeiraadvogados.com.br/  

 

 

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