01/06/2016

CAPITANIAS E PATRIMONIALISMO

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Em 1534, Dom João III, rei de Portugal, celebrou a primeira parceria público-privada da nossa História. O monarca dispunha das terras descobertas por Cabral e não havia recursos para colonizá-las. Através de édito real criou as capitanias hereditárias, doando-as aos amigos, na perspectiva de que investissem no povoamento e instalação dos aparelhos do Estado. Em contrapartida, os donatários explorariam as riquezas naturais da flora, fauna e minérios. Para alguns historiadores, a instalação das capitanias é o marco inicial do patrimonialismo nacional. Em 1630, o religioso frei Vicente de Salvador publicou a primeira História do Brasil, nela, há a afirmação: “nenhum homem nesta terra é repúblico”.

É o reconhecimento de que por aqui, não havia distinção entre o patrimônio público e o privado, característica dominante do patrimonialismo, conduzindo os detentores do poder político a agirem como se o Estado fosse o seu negócio privado. Clássicos da sociologia como “Coronelismo: enxada e voto”, de Victor Nunes Leal; “Os donos do Poder”, de Raymundo Faoro, reafirmam o caráter patrimonialista, datado da formação histórica do Estado brasileiro, manifesto na ação dos seus governantes. As gravações recentemente divulgadas da operação “Lava Jato”, exibem a forma peculiar de agir de nossas elites.

Victor Nunes Leal, ministro do Supremo Tribunal Federal nomeado por Juscelino Kubitschek, cassado pela ditadura de 64, narra como os latifundiários a dominaram os feudos eleitorais, formalizaram os governos pós -1930, tal como faziam na República Velha. Semelhantes procedimentos prosseguiram na República da Constituição de 1988, agora, sob o domínio do Estado capitalista, proprietário de uma das maiores petrolíferas do mundo, a Petrobras. Daí os excessos. O petróleo é um negócio milionário, causa a maldição dos gastos estratosféricos. As somas são extraordinárias, conduzem a propinas geradoras do enriquecimento ilícito às custas do erário.

As práticas, usos e costumes emergidos na divulgação das gravações da Lava Jato remontam ao Brasil colonial. As diferenças situam-se no plano da capitalização do Estado brasileiro, no contexto atual, produtor de petróleo, de aviões; exportador de minérios, de soja, dispõe incomparavelmente de mais recursos financeiros, usados ao gosto e a conveniência dos governantes.

No Legislativo, os parlamentares elegem-se com o financiamento do próprio Estado, depois se sustentam com as emendas e os cargos. O mesmo se aplica aos cargos do Executivo, na União, nos estados e nos municípios. Há outras contribuições relevantes para a moldagem do crítico cenário nacional.

As novas tecnologias de informação e comunicação, as redes sociais, vêm tornando público o que se ocultava outrora. De outra parte, o Judiciário dispõe de instrumentos legais ensejando a delação premiada e os acordos de leniência, anteriormente inexistentes. E acima de tudo, constata-se a existência de consciência política de parte da sociedade brasileira, irresignada com esse modo de fazer política e de alocar e gastar recursos públicos.

O inconformismo se volta a todos os partidos políticos, ao governo e a situação. Resta a indagação fundamental: as elites, que se reproduzem desde o período colonial, admitirão   reforma política capaz de permitir o exercício do poder político de parte da sociedade brasileira. Renunciarão os seculares privilégios que os colocam acima das leis? Os futuros acontecimentos se encarregarão das respostas.

Por ora, convém assinalar um traço de nossa cultura que se traduz na conduta dos governantes, de se comportarem ao largo da maioria da população. Não se vê presidentes, governadores, deputados, senadores, fazendo compras nos supermercados, abastecendo veículos nos postos de gasolina, enfim, praticando os atos normais da vida de uma pessoa comum, explicando a ignorância que têm das agruras dos preços, do abastecimento, do engarrafamento. Permanecem isolados em redomas, cercados de áulicos. Não conhecem a tragédia da segurança pública, as filas dos hospitais, os engarrafamentos do trânsito. Vivem uma realidade social distinta da maioria da população. Tudo herança do patrimonialismo que as faz donas do Estado e a população de súditos.

Em cada Estado da “Federação” perduram as capitanias hereditárias, e o patrimonialismo faz os partidos e grupos enquistados no poder elaborarem longos projetos de dominação, pouco importando os meios utilizados para a sua execução.  Aspas na Federação, é para dizer que se trata de ideal a ser conquistado.

A revolução tecnológica, as mudanças na sociedade, não alteraram as formas de atuação política das elites, os primeiros passos serão dados quando começarem a se comportar como pessoas comuns. 

Receba nosso informativo

Receba semanalmente as principais notícias sobre a advocacia do Maranhão.

Cadastro efetuado com sucesso.