13/04/2011

Direito do Consumidor: “Juros no pé” e “Efeito pedalada”

Autor: Gabriel Ahid Costa

RESUMO

O presente artigo tem o escopo de tratar de forma clara e objetiva sobre um tema pouco divulgado e debatido na literatura jurídica. Todavia, trata-se de assunto que é extremamente relevante sob o ponto de vista prático nas relações de consumo. Espera-se que estas considerações, idéias e críticas contribuam para informar o consumidor imobiliário, a respeito de alguns direitos oriundos da relação contratual de compra e venda de imóvel.

Palavras chaves: direito do consumidor – prática abusiva - “juros no pé” - “efeito pedalada”.

I - “JUROS NO PÉ”
Em 2010, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou dados que demonstraram o significativo avanço no crescimento populacional do Maranhão, destacando este como o Estado que mais cresceu nos últimos 10 anos.

Com o incontestável avanço populacional, e diante da estabilidade econômica vivida em nosso País, principalmente se comparado com as demais nações da América Latina, a população brasileira elevou consideravelmente seu poder de consumo, onde a geração de riqueza fora compartilhada por todas as classes sociais indistintamente.

É notório que a cidade ludovicense, única capital do país fundada pelos franceses, vive um verdadeiro “boom” imobiliário. Todavia, adjacente ao auspicioso  fato, vislumbram-se os nefastos efeitos do capitalismo, que busca a persecução de lucro a todo custo.

O consumidor, parte juridicamente mais frágil, ao decidir participar desse mega fenômeno imobiliário, precisa estar vigilante e atento a algumas práticas abusivas que eventualmente surgem no decorrer da relação contratual.

Há determinadas condutas ilegais sendo praticadas por algumas construtoras/incorporadoras que, antes da entrega das chaves, além de correção monetária pelo INCC, cobram juros aos adquirentes. Esta prática constitui-se em  notório abuso, visto que, neste interstício não existe qualquer capital mutuado ao promitente-comprador, tampouco utilização do imóvel pelo consumidor-adquirente.

Em julgamento do dia 14/09/2010, o Superior Tribunal de Justiça – REsp 670117 / PB -, convencionou denominar a peculiar situação de “juros no pé”, condenando peremptoriamente a referida prática.

Segundo entendimento do Ministro Luiz Felipe Salomão, “com a promessa de compra e venda, a construtora ou incorporadora compromete-se a entregar o imóvel objeto do contrato em determinado prazo, ao passo do que o comprador assim também o faz em relação ao preço, previamente acertado entre as partes. No momento da celebração da avença, em realidade, não há verdadeiramente uma compra e venda, mas simplesmente uma promessa, de sorte que nem o comprador usufrui do bem, nem o vendedor goza integralmente do preço”.

Ora, desnecessário acurado conhecimento jurídico para se intuir que o valor integral do imóvel somente deverá ser exigido quando da entrega das chaves, quando o comprador irá buscar financiamento bancário ou procurará quitar o montante devedor com recursos próprios.

É de conhecimento geral que durante a obra do empreendimento a construtora, para capitalizar-se, em regra, busca recursos tanto nas instituições financeiras quanto nos promitentes-compradores que pagam suas parcelas, caracterizando-se incontestável adiantamento consentido de quitação parcial e progressiva do imóvel, que será entregue em momento futuro.

O ministro Salomão brilhantemente ressaltou que “se há aporte de capital, tal se verifica por parte do comprador para com o vendedor, de sorte a beirar situação aberrante a cobrança reversa de juros compensatórios, de quem entrega o capital por aquele que o toma de empréstimo”.

Vale sopesar que no preço final do imóvel encontram-se embutidos todos os encargos e custos, não havendo razões para que se pratique o “juros no pé”, sob pena de caracterizar-se prática abusiva (art. 39, V do Código de Defesa do Consumidor), por exigir vantagem manifestamente excessiva em prejuízo ao consumidor. 

A consciência do consumidor imobiliário é de extrema relevância, pois, em regra, a transação de compra e venda de um imóvel envolve muito dinheiro.

II – “Efeito Pedalada”
Quem no Brasil não lembra a desagradável situação envolvendo a uma das maiores construtoras da década passada? 

Não há como esquecer que, naquela época, o mercado imobiliário atravessava por uma enorme inconstância, e que, a exemplo da Construtora Encol, levou à falência mais de 700 empreendimentos, afetando aproximadamente 42 mil consumidores.

A situação apavorante se deu pelo chamado “efeito pedalada”, que consistiu no fato de que construtoras abriam um determinado empreendimento, não tinham condições de acabá-lo, e, por sua vez, lançavam outro empreendimento para angariar capital que seria desviado para aquele empreendimento anterior.

A inusitada artimanha prejudicava sobremaneira a construção do primeiro e do segundo empreendimentos, haja vista que muitas vezes teria que lançar uma terceira construção para tentar salvar a primeira e a segunda.

Desta feita, a conseqüência do “efeito pedalada” era a existência de um cenário de insegurança e desconfiança, onde os consumidores acabavam por não mais adquirir unidades de empreendimentos na planta ou incompletos.

Todavia, o consumidor precisa ter conhecimento de que atualmente, com a edição da Lei n.º 10.931, de 02 de agosto de 2004, instituiu-se o chamado patrimônio de afetação, com o escopo de trazer maior segurança e garantia aos consumidores, fomentando, assim, o mercado imobiliário.

A referida legislação passou a desvincular o patrimônio de um empreendimento de outro, tendo, cada um, sua própria contabilidade, não se misturando com a da empresa construtora/incorporadora, sendo que eventuais dívidas fiscais, trabalhistas ou de outra natureza em nada teria a ver com outro empreendimento.

Por essa norma, a construtora/incorporadora passou a poder separar um patrimônio específico que garanta os custos da construção. Assim sendo, no caso de eventual falência, os consumidores terão uma garantia de que o empreendimento será entregue, mesmo que seja por meio de outra construtora.

Importante, portanto, que o consumidor saiba dessa garantia prevista pela Lei 10.931/04, como forma de se resguardar de possíveis contratempos. 

Atenção: a única crítica que se faz à Lei é o fato de deixar ao bel prazer das incorporadoras/construtoras a escolha de instituir essa garantia ou não, quando, na verdade, a legislação deveria ter de imediato instituído uma obrigatoriedade na constituição do patrimônio de afetação, resguardando  a proteção da parte mais frágil na relação jurídica.

III - Conclusão
O nosso Brasil precisa ter consumidores mais conscientes e conhecedores de seus direitos, bem como o legislador precisa ser mais audacioso e elaborar leis que resguardem, acima de tudo, o consumidor que se encontra em desvantagem nessa relação jurídica com as grandes e poderosas construtoras.

Ademais, vale a pena o consumidor ficar atento e averiguar quais empresas têm o comprometimento com as normas consumeristas e o bem estar de seus clientes que, após anos de esforços, adquirem seu imóvel próprio.

REFERÊNCIAS
Código de Defesa do Consumidor
- LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. . Acesso em 03 de abril de 2011, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm.

Comentários dos autores do anteprojeto do Código de defesa do Consumidor. 8ª Ed.,  (1997). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor..

Acesso ao site : http://www.pablostolze.com.br/

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol. 2.

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros no Direito Brasileiro. 3. Ed. São Paulo: RT, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: RT, 2008.

Acesso ao site: www.stj.jus.br – REsp 670117 / PB – Ministro Luiz Felipe Salomão – Julgamento em 14/09/2010

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