26/02/2015

Discurso de posse do advogado Daniel Blume na Academia Ludovicense de Letras

Autor: Daniel Blume

Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Ludovicense de Letras, Dr. Roque Macatrão, na pessoa de quem saúdo os acadêmicos aqui presentes. Autoridades. Amigos. Minha família. Senhoras e Senhores.

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                                   “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”(Fernando Pessoa)

                        Raimundo da Mota Azevedo Correia nasceu sobre as águas, a bordo do vapor São Luís, navio da Companhia de Navegação a Vapor do Maranhão, no qual sua família retornava à capital da província. Era 13 de maio de 1859, na baía de Mangunça, Município de Cururupu.

                        Filho do desembargador José da Mota de Azevedo Correia e de Dona Clara Vieira da Mota Azevedo Correia,foi juiz de Direito em uma das varas da então capital brasileira, o Rio de Janeiro. Na carreira diplomática foi secretário da Legação do Brasil em Portugal. Também exerceu intensamente o jornalismo. Fundou inúmeros jornais. Escreveu, por exemplo, em “A Gazetinha”, “A Comédia” (S. Paulo), “O Vassourense” (Vassouras, E. do Rio), “A Semana”, “O Mequetrefe”, “Diário Mercantil”, “O Álbum”, “O País” e “Revista Brasileira”.

                        Raimundo Correia é membro fundador da Academia Brasileira de Letras, primeiro ocupante da Cadeira de número 06, que possui como patrono o romancista Bernardo de Guimarães.

                        Já na Academia Maranhense de Letras, Raimundo Correia é patrono da Cadeira de número 16, fundada por Correia de Araújo e atualmente ocupada pelo reitor Natalino Salgado Filho.

                        O patrono da cadeira de número 15 da Academia Ludovicense de Letras, que tenho eu a missão de ocupar, publicou os seguintes livros de poesia: Primeiros Sonhos. Tip. Da Tribuna Liberal – S. Paulo, 1879; Sinfonias. Tip. De Faro e Lino – Rio de Janeiro, 1882; Versos e Versões. Tip. E Lt. Moreira Maximino& Cia. – Rio de Janeiro, 1887; Aleluias. Cia. Ed. Fluminense. – Rio de Janeiro, 1891; e Poesias. Parceria Antônio Maria Pereira – Lisboa, 1898.

                        Além dos citados livros de poesia, Raimundo Correia publicou vários contos, prefácios e trabalhos biográficos sobre Lucindo Filho e Valentim Magalhães.

                        Destaco o poema Mal Secreto, onde Raimundo bem revela que – muitas vezes – um sorriso encobre profunda tristeza:

Se a cólera que espuma, a dor que mora/ N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,/Tudo o que punge, tudo o que devora/ O coração, no rosto se estampasse;

                       Se se pudesse o espírito que chora/Ver através da máscara da face,/Quanta gente, talvez, que inveja agora/Nos causa, então piedade nos causasse;

                       Quanta gente que ri, talvez, consigo/ Guarda um atroz, recôndito inimigo,/Como invisível chaga cancerosa!

                       Quanta gente que ri, talvez existe,/Cuja a ventura única consiste/Em parecer aos outros venturosa!

                        Correia sempre foi um homem de pena pessimista intensa, mas de saúde tênue. Experimentou a maior das dores, a perda de um filho. Sofreu até o seu último dia de vida em 13 de dezembro de 1911, durante uma viagem de tratamento de saúde a Paris. Aos 52 (cinquenta e dois) anos, sucumbiu à doença e à dor, porém, permanece intenso, imortal, em sua obra.

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                        Este 24 de fevereiro de 2015 é para mim um dia de honra e de responsabilidade por me assentar na cadeira de número 15 desta Academia Ludovicense de Letras, espaço que agrega valores artísticos, literários e culturais compartilhados nesta Ilha que nos dá chão e raiz.

                        Passando a ocupar o assento de número 15, que possui como patrono o poeta parnasiano Raimundo Correia, sinto-me comprometido pelo peso histórico da escolha do meu nome para compartilhar esses traços de identidade entre o que vivemos e sentimos ao enxergarmos o que somos a partir do que nos rodeia.

                        Aprendi que a dimensão poética revela. Cresci procurando olhar além: ônix, o nome de um cachorro no quintal da minha memoria; a vida, uma instância além dos processos entre os raios que atravessam as frestas da persiana da janela do gabinete; o nó da gravata que convive este nó na garganta que sinto aqui agora.

                        Por esse traço de identidade, confesso que fiquei satisfeito por ter como patrono Raimundo Correia, poeta e bacharel em Direito.

                        Com certeza, para ele, a poesia foi essa maneira de curar-se de um mal que assola as consciências. Um mal secreto que usa a dimensão poética para alçar vôo na primeira pomba que se vai despertada “e em outras mais... mais outras”.

                        No coração do advogado, vai-se o primeiro processo, vão-se outros mais, mais outros.Digo isso inspirado no poema de Raimundo Correia que mais o identifica, As Pombas:

Vai-se a primeira pomba despertada.../        Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas/De pombas vão-se dos pombais, apenas/Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada/ Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,/Ruflando as asas, sacudindo as penas,/Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,/Os sonhos, um por um, céleres voam,/Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,/Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,/E eles aos corações não voltam mais...

                        Vão-se os primeiro sonhos, outros mais... mais outros.

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                        Por tudo e portanto, suponho alguns sentimentos poéticos que Raimundo da Mota Azevedo Correia tenha vivenciado como profissional do Direito, de tal forma que não permitiu que a frieza das normas contaminasse sua existência, mas alimentasse sua essência em busca do sentido extremo da balança equilibrada entre as palavras e a vida. Sobre isso, em Inicial, eu escrevi:

No que a frieza chama o sol revela.../ser possível aqui haver poema,/pois do advogado brota poesia,/ quando vê cliente como gente,/ casos como vidas/ e processos como instrumentos de pacificação social,/ que materializam sonhos/de vencer, deter, conter ou derrotar.

Basta permitir que o sol aja./Assim, o patrono (defensor e protetor)/ passa a ser também poeta judicial,/ numa intercessão diária.

A luz revela:/o processo tem e, às vezes, é/um determinante avesso.

Confesso que despertei para essa transcendência poética no Colégio Literato, sempre cultivada por meus pais, depois de tê-la herdado da minha mãe, Sonia Almeida. É também alimentada por Priscila, Beatriz e Valentina.

                        Então, eis-me aqui entre o advogado-poeta e o poeta-advogado, como membro da Academia Ludovicense de Letras. “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”

                        Muito obrigado.

                        Daniel Blume

 

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