11/04/2011

Nivelar por baixo

Autor: Ulisses César Martins de Sousa

Mantidos intactos os balizamentos institucionais da democracia inscritos na Constituição, legislações específicas podem e devem ser atualizadas. Seja para adequarem-se a uma nova realidade ou a fim de refletir de maneira correta princípios da própria Carta.

A Lei da Ficha Limpa é um desses casos. A percepção, pela opinião pública, de que as imunidades criadas para proteger a atuação de representantes do Legislativo tinham sido desvirtuadas, e passaram a servir de blindagem para corruptos e criminosos de vários outros naipes, gerou uma mobilização de grupos organizados da sociedade que desaguou no projeto desta lei. Com ela, tornam-se mais estreitos os filtros para impedir de disputar cargos eletivos donos de prontuários policiais, de processos na Justiça e condenados em tribunais de contas.

Outro exemplo - este, de atropelamento da Constituição - é a discriminação feita contra os meios eletrônicos de imprensa. Por uma circunstância técnica - TV e rádio usam ondas eletromagnéticas que não podem interferir uma nas outras -, o Estado concede e administra a exploração desses canais. A distorção está em a legislação eleitoral, em nome disso, cercear a cobertura das eleições feita pelas emissoras.

É por isso que, com alguma facilidade, candidatos de legendas nanicas conseguem vetar debates em rádios e TVs para os quais não foram convidados. Em nome de uma discutível ideia de igualitarismo compulsório na realização de debates, deixa-se de promover o conflito de propostas entre os candidatos favoritos. Com isso perde o eleitor, deteriora-se a própria qualidade do processo eleitoral.

Deve-se repetir sem descanso: o fato de o Estado administrar a exploração dos canais de distribuição de som e imagem não lhe dá direito de suprimir a liberdade de expressão e de imprensa, garantida pela Constituição, intervindo no conteúdo da programação de rádios e TVs em período eleitoral. É do interesse jornalístico, e da ética, das próprias emissoras profissionais fazer qualquer cobertura a mais objetiva e isenta possível. Importa é prestar um serviço de qualidade.

Há quem argumente, a favor da censura da Justiça eleitoral, que, sem ela, rádios e TVs de propriedade de políticos seriam incontroláveis e daninhos cabos eleitorais. Aceitar o raciocínio significa nivelar por baixo o jornalismo destes meios. Se existe o risco da distorção, que ela seja tratada como de fato é: um desvio criminoso das finalidades dos veículos. A própria denúncia do mau uso de uma emissora, com fins político-eleitorais, já funciona como inibidor. O que não faz sentido é tratar todo o jornalismo de rádio e TV brasileiro com base em distorções típicas de regiões menos desenvolvidas.

Há situações ridículas - para se dizer o mínimo - em que programas de humor evitam se inspirar na rica temática eleitoral porque juízes dão uma interpretação excessivamente elástica a um dispositivo da lei que visa a coibir o uso de trucagens e outros recursos por políticos interessados em alvejar adversários nos meios de comunicação. Enquanto a política e eleições são fonte copiosa de inspiração de programas de humor nos Estados Unidos, por exemplo, os programas congêneres brasileiros, em período eleitoral, parecem ser de um país sob ferrenha ditadura. É tamanha a obtusidade na aplicação das regras que até mesmo os sites das emissoras estão enquadrados em idênticos dispositivos draconianos.

Já passou da hora de a constitucionalidade da legislação eleitoral ser questionada como o foi a da Lei de Imprensa.

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