22/08/2016

O BÊBADO E O EQUILIBRISTA

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Nos anos cinquenta e sessenta do século passado, o Maranhão ganhou fama pelos desacertos cometidos nas eleições, praticados pelo governo e oposição. A ala comandada pelo senador Vitorino Freire, do Partido Social Democrático-PSD era responsabilizada pelo emprenhamento das urnas, sobretudo no interior do Estado, onde controlava os prefeitos. A práticas eram comuns aos dois lados quando se ofereciam as oportunidades. Dizia-se então:  há no Maranhão uma universidade da fraude.

Veio o golpe de 1964, e como sempre, seus beneficiários cuidaram de mudar os chefes estaduais. O senador Vitorino logo após as eleições de 1965 seria substituído pelo deputado José Sarney na chefia do Maranhão. Antes do pleito, seria realizada revisão do eleitorado, sob os auspícios do oposicionista Clodomir Milet, expurgando os eleitores fantasmas, os mortos que se dizia “votavam” nas zonas eleitorais. Reduzido o eleitorado do interior, Sarney ganhou as eleições, de forma majoritária, principalmente em São Luís, de maioria oposicionista.

O primeiro presidente do ciclo militar, marechal Castelo Branco, encaminhou ao Congresso o projeto de novo Código Eleitoral.  Seu relator na Câmara dos Deputados foi o deputado Clodomir Milet, médico, mas versado em matéria eleitoral, por força dos embates travados contra os partidários do PSD, nas zonas e tribunais eleitorais.  

O Código Milet, datado de 1965, vem sendo agora fustigado pelos críticos das sucessivas reformas eleitorais, muitos deles pregam a sua substituição por outro. Recente decisão no Supremo Tribunal Federal-STF sobre a aplicação da Lei de Inelegibilidades, a que está incorporada a Lei da Ficha Limpa, trouxe a matéria a pauta da mídia e da advocacia eleitoral, suscitando diversas questões de hermenêutica ou interpretação.

No debate travado sobre o assunto utilizaram-se as metáforas da lei bêbada ou sóbria. Os articulistas da imprensa interrogaram: quem estaria embriagado, o legislador ou a lei? Esta última, ainda que resultante da vontade do primeiro, tem também a sua. Os legisladores da Lei da Ficha Limpa foram os cidadãos, através da inciativa popular, prevista constitucionalmente, sob os auspícios da Conferência Nacional dos Bispos e da Ordem dos Advogados, por fim acolhida pelo Congresso Nacional que a formalizou.

Os doutrinadores do Direito classicamente distinguem a mens legislatoris, a intenção do legislador, da mens legis, a intenção da lei. Sem dúvida, a vontade desta última é que hajam eleições decentes, com candidatos dignos de merecerem a escolha dos eleitores. A aspiração é legítima e justa. A decisão do STF, por sua vez, prendeu-se unicamente a matéria constitucional, que é da sua estrita competência. Entre a intenção do legislador e a competência do Supremo não há qualquer contradição, a esse respeito a Constituição Federal é de clareza insofismável.

Pela decisão do STF apenas as Câmaras municipais seriam competentes, por maioria de dois terços, para julgar as contas dos prefeitos, aprovando-as ou desaprovando-as. Os tribunais de contas emitem pareceres, de caráter meramente opinativo, sobre as contas dos chefes de executivos municipais.

O julgado do STF, por sua natureza de corte constitucional, prendeu-se unicamente ao controle de constitucionalidade, como é de sua atribuição, subsistindo a competência específica da Justiça Eleitoral para apreciar a matéria. A manifestação do seu presidente no curso do processo eleitoral, quando ainda não se julgaram as impugnações aos registros de candidaturas, inevitavelmente provocou reações contra e a favor. O presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, em nota pública afirmou: “ a lei é boa, importante e sóbria”. No mesmo sentido manifestou-se o ministro Luís Roberto Barroso, para quem a lei atende a demandas importantes da sociedade como decência política e moralidade administrativa. Finalizou com salutar advertência: “ não há donos da verdade na democracia, as pessoas têm pontos de observação diferentes”.

Perfeito. Cabe ainda assinalar, não há que se falar em juízo moral sobre o legislador. Promulgada a lei pelo poder competente, cumpre ao juiz singular ou das cortes superiores interpretar a sua vontade, aplicando-a ao caso concreto. Nessa matéria evidencia-se a competência especifica da Justiça Eleitoral, que em cada caso firmará seu entendimento. Em se tratando de tribunal, a palavra final é do colegiado.

A confusão legislativa se deve não ao Código Milet, e sim, a quatro minirreformas eleitorais fatiadas. A ânsia de democracia se expressa na canção “O bêbado e o equilibrista” de João Bosco, cantada por Elis Regina, em 1979, quando lutávamos pela anistia. Aqui no Maranhão nunca se perde a esperança.

http://www.ericeiraadvogados.com.br/

 

 

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