26/09/2024

O código civil de Rubem Braga

Autor: Por Fernando Rogério Silva Marques Júnior, advogado e escritor

A primavera do Chile inicia em outubro. Em outubro, Rubem Braga (1913 – 1990) escreveu “Descoberta”, crônica que compõe a sua vasta obra literária, marcada por este gênero textual. O cronista, jornalista, vez em quando poeta, estava sentado em sua mesa, cumprindo funções pelo Brasil, “e, enquanto isso, ela invadia a bela República do Chile e dançava e sorria por todos os campos, entre a cordilheira e o mar. Ela havia chegado, e eu não a vira, a primavera” (1955).

Ele descobriu a primavera chilena com suas “árvores carregadas de flores”, com a “brisa espalhando no ar leves painas” e levando, de um lado para o outro, os “pólens, sementes de amor”. A beleza primaveril, amarela, radiante, cuida para que os tapetes amarelados do trigo alterem a paisagem, presenteando nossos vizinhos com a sua chegada.

Por algum momento, durante a sua observação e escrita, Rubem Braga pensou em tomar aquela primavera para si?

Que fácil seria se ele pudesse colocar todo o trigo, as árvores, os pólens, o “yuyo” – o cronista narra o seu encontro com um lavrador chileno, pergunta qual o nome das flores que nasciam no trigal e ele responde com esta palavra, que na verdade significa “joio” – numa bolsa e voltar para o Brasil. E nos presentear com essa beleza natural vinda do Chile.

Eu não sei como funciona lá por aquelas bandas, o Chile, se alguém pode ter para si ou se deve devolver algo encontrado na rua, num banco de praça ou onde quer que seja, para terceiro. No nosso Código Civil, na Seção II, por outro lado, ou a gente entrega para terceiro ou para a autoridade competente.

Não fica conosco. “Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor”, diz o artigo 1.233; “Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente”, finaliza o seu parágrafo único. Por curiosidade, digitei “da descoberta” na aba de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Maranhão e não achei nenhum julgado sobre essa matéria. Não gerou nenhuma contenda. O que é bom, pois o humilde descobridor age como diz o Código, sabendo ou não sabendo de que regularam essa situação.

Rubem Braga que o diga. Descobriu a primavera, achou as coisas mais lindas da natureza bem a sua frente, mas não pôde fazer mais do que observar; teve que devolver a primavera do Chile para o humilde lavrador chileno.

Referência:

Correio da Manhã, 1955. Depois, publicado em “Ai de ti, Copacabana”, Editora do Autor, 1960.

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