15/04/2015

Perda de tempo não pode ser fonte de renda

Autor: Ulisses Sousa - advogado e sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados e secretário-geral da OAB-MA

O direito brasileiro pode estar prestes a contar com mais uma categoria de indenização. É a chamada indenização por dano temporal, que, segundo alguns, pode ser concedida de forma cumulativa com os danos morais e materiais. A principal característica desse tipo de indenização seria a perda de tempo do consumidor para resolver determinado problema que lhe incomoda. Neste sentido, já houve dois movimentos em locais diferentes: um pedido judicial da Defensoria Pública do Amazonas e uma decisão do Juizado Especial Cível e Criminal do Foro de Jales, em São Paulo. O argumento ou fundamento serve para mostrar que o tempo do consumidor é precioso e, por isso, se o problema demora a ser resolvido por empresas, o transtorno gera o dever de indenizar.

No caso de São Paulo, a ação com esse pedido foi movida por um consumidor indignado por ter sido obrigado a esperar três horas e dois minutos pelo atendimento em uma agência bancária. No Amazonas, a Defensoria Pública entrou com ação, em dezembro do ano passado, em favor de um cidadão que teve o nome negativado por um banco do qual nunca foi cliente. Ele perdeu, ao todo, 24 horas para tentar resolver o problema.

Embora a sabedoria popular afirme que "tempo é dinheiro" não há como reconhecer o chamado dano temporal como uma categoria autônoma de prejuízo indenizável. O Código Civil, em seu artigo 186, admite a reparação de qualquer dano decorrente de ato ilícito, ainda que o prejuízo seja exclusivamente moral. Diz o dispositivo: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

O dano temporal seria a perda de tempo do consumidor para resolver determinado problema que lhe incomoda

O dano, segundo a doutrina e jurisprudência, pode ser patrimonial ou não patrimonial (moral). Na primeira hipótese, o patrimônio da vítima sofre uma redução decorrente do dano. Já nos casos de dano moral, a ofensa não alcança o patrimônio material da vítima. A ofensa alcança bens de natureza imaterial, tais como a honra e a imagem.

É certo que o tempo é algo escasso. Contudo, esse elemento não acrescenta nada ao patrimônio de qualquer pessoa. Ninguém acrescenta qualquer valor ao patrimônio em razão de dispor de tempo. Logo, a simples perda de tempo, sem agregar outros fatores, não pode ser considerada causa de redução do patrimônio material do cidadão.

A perda de tempo livre pode até ser avaliada pelo Poder Judiciário nas demandas em que é postulada indenização por dano moral. Seria um dado a mais a ser examinado pela Justiça. Contudo, a simples perda de tempo do consumidor se aproxima mais do mero dissabor, que não pode ser alçado ao patamar do dano moral, uma vez que somente pode ser indenizada a esse titulo aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige.

Se for admitida como correta a tese de que a perda do tempo gera direito à indenização, os tribunais serão inundados por ações e não somente contra empresas. Serão ajuizadas ações pelos cidadãos que, diariamente, perdem horas no trânsito das cidades brasileiras. Esse é só um exemplo que serve para demonstrar o absurdo.

Se admitida a existência do dano temporal como categoria autônoma, não se poderá restringir a utilização do instituto às relações de consumo.

Ou seja, todas as vezes que a administração pública, e até mesmo o próprio Poder Judiciário, levasse o cidadão a perder tempo útil, seria possível o ajuizamento de uma ação de indenização em razão do dano temporal. A perda de tempo viraria fonte de renda.

É preciso ressaltar que a jurisprudência, em alguns precedentes, tem até admitido a perda de tempo como origem do dever de indenizar. É o caso, por exemplo, da espera excessiva em fila de banco e do atraso excessivo de vôo que,, quando associados a outros constrangimentos, podem configurar o dano moral. Nesses casos, cumpre ao juiz utilizar as regras de experiência para distinguir o dano moral do mero dissabor, ou seja, daqueles transtornos cotidianos a que todo cidadão está sujeito, mas que não justificam a concessão de qualquer indenização.

É preciso lembrar que a jurisprudência e as lições da melhor doutrina reconhecem que somente se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.

No Poder Legislativo, houve uma iniciativa de projeto de lei para instituir, no Código de Defesa do Consumidor, a indenização pela perda de tempo. O Projeto de Lei nº 7.356/2014 foi apresentado pelo deputado Carlos Souza (PSD-AM). Porém, acabou sendo arquivado. Teve o caminho certo. Afinal, não é possível reconhecer o dano temporal como uma nova espécie autônoma de dano a justificar o deferimento de indenização. Admitir o contrário, certamente, implicará em um aumento da litigiosidade. Todo e qualquer atraso poderá dar ensejo ao ajuizamento de uma ação postulando a indenização de dano temporal.

 

 

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