23/01/2012

Reflexões sobre o Controle de Normas Orçamentárias

Autor: Megbel Abdalla Ribeiro Ferreira*

 “Os descobrimentos até agora feitos de tal modo são que, quase só se apóiam nas noções vulgares. Para que se penetre nos estratos mais profundos e distantes da natureza, é necessário que tanto as noções quanto os axiomas sejam abstraídos das coisas por um método mais adequado e seguro, e que o trabalho do intelecto se torne melhor e mais correto.”

       (Francis Bacon, 1561-1626)

 

Visando possibilitar uma reflexão crítica sobre os novos caminhos a serem trilhados pelo Direito Financeiro, em estudo intitulado Finanças Públicas na Constituição Federal, este autor pesquisou vasta bibliografia na qual se deparou com o seguinte pensamento do Filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679):

[...] não há propriedade, nem domínio, nem distinção entre o meu e o teu; só pertence a cada homem aquilo que ele é capaz de conseguir, e apenas enquanto for capaz de conservá-lo. É, pois, esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza. Embora com uma possibilidade de escapar a ela, que em parte reside nas paixões, e em parte em sua razão.

As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo.Essas normas são aquelas a que por outro lado se chamam “leis da natureza”.

Tendo o referido pensamento como ponto de partida destas reflexões, indaga-se, de início, se normas orçamentárias estão sujeitas ao controle abstrato de constitucionalidade?

Em consonância com a jurisprudência e grande parte da doutrina pátrias, entendemos que as normas orçamentárias NÃO devem submeter-se ao controle abstrato de constitucionalidade. Com efeito, “Se a instrução normativa, em decorrência de má interpretação das leis e de outras espécies de caráter equivalente, vem a positivar uma exegese apta a romper a hierarquia normativa que deve observar em face desses atos estatais, aos quais se acha vinculada por um claro nexo de acessoriedade, viciar-se-á de ilegalidade – e não de inconstitucionalidade, impedindo, em consequência, a utilização do mecanismo processual de fiscalização normativa abstrata” (RTJ 133/69).

Veja-se que no julgamento da ADI nº 842-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.05.93, o entendimento expresso pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal induz a interpretação de que as instruções normativas baixadas pelas autoridades fazendárias, por regulamentarem normas legais e não constitucionais, não estão sujeitas ao controle abstrato de constitucionalidade.

Nesse passo, impõe-se a análise dos instrumentos processuais adequados ao controle do orçamento público, em sentido amplo.

No caso, merece ser ressaltado o “controle preventivo de constitucionalidade”, com a finalidade de evitar o ingresso no ordenamento jurídico de leis inconstitucionais e que é exercido, no âmbito federal, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania de ambas as casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal) e pelo Chefe do Poder Executivo, o qual tem o poder de veto.

Já o “controle repressivo de constitucionalidade” é exercido pelo Poder Judiciário. Excepcionalmente, porém, o Texto Magno previu duas hipóteses desse controle pelo Poder Legislativo (art. 49, V e art. 62, CF).

Em tese, não há diferença quanto aos efeitos jurídicos do controle preventivo e do controle repressivo de constitucionalidade, já que ambos submetem qualquer espécie normativa ao procedimento previsto na Carta Magna de 1988. Logo, suas finalidades e objetivos se encontram no mesmo vértice da pirâmide constitucional.

Mas, admitindo-se o cabimento de ação direta de inconstitucionalidade no caso, que efeitos jurídicos adviriam do julgamento procedente?

As decisões proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade têm efeitos retroativos (ex tunc) e para todos (erga omnes), cabendo a sua propositura, no âmbito federal, às autoridades e entidades elencadas no art. 103 da Constituição Federal, e, nos Estados, conforme previsto nas respectivas constituições.

Outro questionamento interessante refere-se à possibilidade de o Judiciário realocar recursos públicos por meio de controle abstrato.

Considerando que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito” (art. 5°, XXXV, CF), tem-se como possível a realocação de recursos públicos nos casos em que o Judiciário for instado a examinar afronta aos princípios básicos da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Já se for provocado a manifestar-se sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, e assim o fizer, entendemos que estará emitindo pronunciamento próprio da Administração, e não de jurisdição judicial, pois só aquela pode anular ato de realocação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por oportuno, releva notar que em um dos seus momentos de reflexão sobre os princípios atinentes ao convívio social, concluiu Montesquieu:

Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais ou dos nobres, ou do povo, exercesse esse três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências individuais.

MEGBEL ABDALLA RIBEIRO FERREIRA é Advogado, Membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-MA e Membro Efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

 

NOTA

In: O Espírito das Leis. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962, v. 1, p. 181.

 

Artigo com publicação na Revista Consulex em 15 de novembro de 2011 nº 356 Ano XV*

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