21 Setembro - 2012

Discurso proferido pelo presidente Mário Macieira durante homenagem da Câmara Municipal

Mário Macieira, Adriano Campos, Rafael Silva, Walace Serra e Roberto Cavalcante receberam medalha Simão Estácio da Silveira

O presidente da OAB/MA, Mário Macieira, foi uma das personalidades agraciadas pela Câmara Municipal de Vereadores de São Luís com a "Medalha Simão Estácio da Silveira", concedida anualmente pelo Legislativo Municipal. Além de Macieira, também receberam a comenda o Conselheiro Seccional Adriano Campos, e o vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, Rafael Silva, Roberto Cavalcante e Walace Serra.

O nome da comenda é uma homenagem a Simão Estácio da Silveira, fundador e primeiro presidente do Senado da Câmara de São Luís, primeira denominação recebida pela Câmara  Municipal de Vereadores de São Luís. Mário Macieira discursou em nome dos homenageados. Abaixo a íntegra do discurso proferido pelo presidente da OAB/MA.

Foto: Handson Chagas

 

SOBRE OS 400 ANOS - COMO ERA O NOME DELA?[1]

Mário de Andrade Macieira

É com grande alegria e honra que recebo a Medalha Simão Estácio da Silveira, a maior comenda da Câmara Municipal da nossa cidade, no ano dos seus 400 anos. Honra-me igualmente a distinção de falar em nome de todos os homenageados desta noite. Honra e alegria redobradas, porque tendo aqui nascido e vivido desde o nascimento, também tenho orgulho de ser filho de Roberto de Pádua Macieira, ex-prefeito municipal, e Simone Lucília Andrade Macieira, ex-vereadora de São Luís. Por isso meu eterno e profundo agradecimento.

 Minhas origens, meu berço, meu chão, a ilha de São Luís, suas praias, seus sobrados e azulejos. Suas ladeiras e casarões. Suas praças e seus monumentos, ele são testemunhas eternas do tempo daqueles que passam por aqui. Que aqui nascem, aqui moram, aqui trabalham, aqui criam seus filhos. Testemunhas das nossas trajetórias. Aqui cresci, conheci meus amores, recebi na vida a vida dos meus filhos.

Nossa identidade, nosso jeito de ser e pensar; nosso modo de falar e nossos horizontes são, em uma medida que não se pode medir, definidos pela cidade em que vivemos. São Luís, com suas tradições culturais populares, com sua história e com sua vida pujante é nossa cidade, cidade mágica que tem tentáculos a nos segurar, de modo a nos fazer, quando afastados, a saudade do nosso chão, do cheiro do mar, do som da fala maranhense. Banzo, diziam os negros escravos do colonialismo europeu.

Desde a chegada dos franceses até hoje, mas bem antes disso, com o povo nativo desta terra, a cidade se forma e se transforma. E nós, em limitado período, aqui vivemos e cabe a nós nos perguntarmos de que modo afetamos a vida da cidade. Cidade que no latim é CIVITAS, expressão que representa não apenas uma aglomeração humana em certo espaço geográfico, mas também unidade política. Dessa expressão derivam civilidade, civismo e cidadão, entre outras palavras.

Cabe então perguntar, qual o dever do Cidadão com sua cidade? Qual o dever da cidade com seus cidadãos? Muitos filósofos, clássicos e modernos, já se dedicaram a perguntar e oferecer respostas para o tema da obrigação política, esse dever do cidadão com a cidade. De minha parte acredito francamente que todos nós, devemos fazer algo, o que nos caiba fazer, para que a vida cidadã se desenvolva no sentido do bem comum. Agir, na esfera pública, atuar com o compromisso de proteger a cidade, cidade que não é só pedra, cidade que é gente, que é natureza, que é o conjunto de pedra, natureza e gente, é cultura.

Nos seus 400 anos, como filhos apaixonados, olhamos para nossa cidade mãe com um misto de orgulho e de tristeza. Orgulho da nossa terra e de suas tradições. Da arquitetura colonial e das manifestações culturais, dos títulos de patrimônio imaterial da humanidade e do Brasil. Cidade que reúne tanta riqueza e esplendor natural,  que embala, nas ondas das suas praias e no doce frescor da sua brisa, nossos “sonhos do futuro”.

 E tristeza, tristeza pelas praias interditadas, pelo lançamento de esgoto in natura, resultado de uma especulação imobiliária que não respeita nada, e que não tem freios, salvo se o Legislador impuser limites e os governantes aplicarem com firmeza as leis. Salvo se os cidadãos não ficarem calados, passivos e alienados.

Orgulho das lutas do passado, das ladeiras, dos sobrados. Tristeza pelo abandono do centro histórico. Pela ruína dos casarões, pela depedração de que é vítima, silenciosamente. Indiferente a nós, o tempo corrói nossa herança; indiferente a ele, os cidadãos silenciam diante do ocaso do patrimônio histórico. E lá vêm de novo nossas obrigações de cidadão, de defender nossa cidadela. Estamos defendendo?

Orgulho das nossas praças e dos poetas que lhes emprestam seus nomes. Gonçalves Dias, Benedito Leite, João Lisboa. Triste por presenciar que delas o cidadão foi expulso. Só há espaço para o comércio informal desordenado e para uma violência urbana que assusta, atemoriza e atordoa, onde o craque, essa nova droga demoníaca, barata e rápida, mata sem piedade a juventude que não tem espaços para manifestação, para expressão. Não são mais nossas praças a ágora dos gregos, o espaço público do povo, tão bem lembrado por Castro Alves: A praça é do povo como o céu é do condor”. Na praça Deodoro e na do Panteon um odor fétido denuncia a inexistência de banheiros públicos. E nós sofremos pelo sofrimento da cidade mater.

Orgulho da nossa culinária, da torta de caranguejo e do camarão fresco. Da peixada e do arroz de cuxá, tantos sabores... tristeza por ver a destruição desenfreada dos manguezais e a morte aparentemente irreversível dos nossos rios. O bacanga e o anil, retratos dos maus tratos que os filhos dessa terra infringem à natureza.

Orgulho das heranças culturais populares e eruditas que um dia nos valeram o título de Atenas Brasileira. Tristeza pelas gerações e gerações de crianças que se perdem nas ruas, sem escola, ou em escolas péssimas (nunca haverá suficientes adjetivos para tratar da tragédia da educação pública em nosso País, inclusive em nossa cidade). Fora da escola perdemos crianças e jovens para o ócio, para ignorância, para o vício e para a violência. Quantos Sousândrades, quantos Bandeiras Tribuzi ou Ferreiras Gullars a cidade está perdendo, pelo abandono? Riqueza que não se repõe, tempo que não volta.

Orgulho muito orgulho da nossa terra. Sinto-me orgulhoso de estar aqui entre os homens e mulheres que debatem e decidem os destinos da nossa cidade. E lhe lanço um pedido, como advogado, só sei mesmo pedir, mas acho que é um pedido de todos os cidadãos: virem esse jogo. Mudem essa realidade. Transformem nosso destino. Nós estaremos do seu lado, para apoiar e defender.

Porém não sinto apenas orgulho e tristeza. Sinto também esperança. Os 400 anos fazem com que voltemos a olhar, zelar e prezar São Luís. São 400 anos de história e nós cidadãos temos que decidir que rumos dar a esta polis pelos próximos 4 anos, fração de 1 centésimo da longa história da velha cidade. Os 400 anos nos fazem ter esperança de que os próximos 4 serão melhores e de que os próximos 40 serão de um belo futuro.

Mas esperança sem ação é ilusão, é vã. Para proteger a cidade e a natureza, para viver numa cidade harmônica e ordenada, precisamos atuar, escolher bons governantes e bons legisladores. Preservar a vontade popular em eleições livres e limpas, sem compra e venda de voto. Voto não é mercadoria, consciência não tem preço e a cidade não pode esperar mais 4,40,400 anos.

Tenho esperança de ver a nova cidade que nossos governantes serão capazes de construir, vinculados estritamente aos mais altos e elevados interesses do povo. Pensando sempre e com muita responsabilidade sobre nosso futuro, apontando rumos e fazendo escolhas, como nossos representantes, que possam efetivamente realizar o sonho de cidade que temos em nós.

A responsabilidade dos cidadãos é grande. Maior a dos legisladores e governantes! As homenagens de hoje, a nós cidadãos, se já tínhamos o dever de preservar, defender e honrar nossa cidade, agora nos fazem ainda mais responsáveis. Recebo esta comenda como um encargo, de, como cidadão, estar sempre a clamar por uma cidade digna da sua história. Honrado e feliz a recebo. E também recebo com grave senso de dever cívico.

Agradeço, e nunca será demais agradecer, aos senhores e senhoras edis ludoviscenses e a eles peço, como legítimos representantes desse povo herdeiro dos tupinambás, que não parem jamais de acreditar, defender e agir em defesa da nossa cidade e do seu povo.

Sobre essa mágica e amada cidade, e falando dela como se fosse uma mulher que amou, o poeta disse: “Bela, bela mais que bela/Mas como era o nome dela? Não era Helena, nem Vera, nem Mara, nem Gabriela, não era Tereza nem Maria./ Seu nome, seu nome era? Perdeu-se na carne fria./Perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia./Perdeu-se na profusão das coisas acontecidas./Constelações de alfabeto, noites escritas a giz./pastilhas de aniversário, domingos de futebol./Enterros, corsos, comícios/ Roleta, bilhar, baralho./Mudou de cara e cabelos, /mudou de olhos e risos/ mudou de casa e de tempo/Mas está comigo, está perdido comigo, teu nome em alguma gaveta.” Ferreira Gullar – O poema Sujo.

 

Mário de Andrade Macieira



[1] Discurso de Agradecimento – Medalha Simão Estácio da Silveira – Câmara Municipal – São Luís (20/09/2012).

 

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