26/02/2018

As Constituições Morrem

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

A democracia enfrenta dificuldades em todos os países do mundo civilizado. Muitas causas são apontadas, destacam-se o modelo de representação política e a corrupção minando os aparelhos do Estado. Em recente publicação, a ex-ministra e consultora educacional, Claudia Costin, sob a epígrafe “Como Morrem as Democracias” apontou as mazelas que podem levar os países a liquidar o pior dos regimes, como destacava Churchill, à exceção dos outros. Em outras palavras, não existe outro melhor, e todos apresentam defeitos ínsitos à condição humana.

Na última Conferência da Ordem dos Advogados, realizada em novembro do ano passado, alertamos para os riscos atuais enfrentados pela democracia brasileira, instalada pelo pacto político e jurídico, fundado pela Carta de 5 de outubro de 1998, completando 30 anos de vigência em 2018. É a mais longeva das constituições republicanas. Há razões para comemorações, mas também para reflexões.

Com esse espirito, convidamos para proferir a palestra de posse da Diretoria da Academia Maranhense de Letras Jurídicas, ocorrida na última quarta-feira, 21 de fevereiro, o jurista José Renato Nalini. Teve passagem pelo Ministério Público, pela Magistratura, onde chegou a presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, atualmente, exerce o cargo de Secretário da Educação daquela importante unidade da Federação.

Passou por posições no âmbito da Administração Pública, que o abalizam para a avaliação do texto constitucional ao longo de três décadas, em seus avanços e recuos, no caminho do aperfeiçoamento da democracia brasileira.

A brilhante exposição de José Renato Nalini, começou pela gênese da atual Carta, elaborada após o final do período autoritário iniciado em 1964.  Principiou por querer constitucionalizar tudo, como pré-condição ao cumprimento do sistema normativo.  Daí, resultou um texto abrangente, analítico e inclusivo, incidindo em matérias reservadas à lei ordinária que foram constitucionalizadas.

Havia durante a sua discussão e votação falta de consenso em várias questões, desaguando em redação indeterminada, vaga e imprecisa, dando, portanto, enorme relevância aos hermeneutas, abdicando-se por inteiro daquele preceito de que falava o exegeta francês Laurent: “ in claris cessat interpretatio”. Era só o começo da vida de um documento que tinha por propósito a instauração de um projeto de nação.

Destacou as esperanças despertadas pela Lei Fundamental, inspirada nos modelos da Espanha e Portugal, emergidos em contextos históricos análogos ao nosso, merecendo o título de Constituição Cidadã, apresentando a novidade de arrolar os direitos e garantias, constantes nos artigos 5º e 6º, antes da estrutura estatal, significando assim, a sua submissão ao Estado Democrático de Direito.

Prestigiou o Poder Judiciário, dando-lhe autonomia administrativa e financeira, creditando-lhe a função de resolução dos conflitos. Deu semelhante status ao Ministério Público, convertido em verdadeiro poder, dispondo da ação civil pública, apta a intervir em todas as políticas públicas. Acrescento, constitucionalizou a advocacia, como coadministradora da Justiça Pública.

No Preâmbulo, deu a fraternidade o conceito de categoria jurídica; no corpo, a moralidade passou a ser princípio que toda autoridade ou gestor precisa obedecer. Optou ainda, rompendo com a tradição cartorial, pela privatização dos serviços notariais, que passaram a ser exercidos pelo particular, como função delegada do Poder Público.

Na parte dos recuos, acentuou um aspecto da maior relevância: o Brasil dos direitos não cabe no seu PIB. A excessiva judicialização da vida brasileira inviabilizou a gestão racional da Administração Pública. Pululam os milhões de processos que institucionalizam os conflitos ao invés de solucioná-los. Há direitos em abundância e escassez de deveres.

Ressaltou a ousadia da Constituição ao contemplar o nascituro como titular de direitos, conforme o artigo 225, de proteção ao meio ambiente, cognominada de a mais bela norma. Ressaltou a incoerência tipológica de ser do tipo rígido, mas de até 14.12.2017 ter sofrido 99 emendas, além das seis de revisão.

Acentuou a “República da Hermenêutica”, em que nos tribunais superiores se pode escolher jurisprudência “à la carte”. Nem os 11 interpretes do Supremo Tribunal Federal-STF chegam a um acordo sobre o real entendimento de um texto fundante.

Lembrou o vício de concepção que a contamina: elaborada para a forma de governo parlamentarista, depois modificada para o presidencialismo, caracterizando por fim, certa esquizofrenia legal.

Alinhou receita para tornar a Constituição mais observada: a) redução das competências do STF, resumindo-o a sua função de Corte Constitucional; b) Converter o Superior Tribunal de Justiça a atribuição originária de Corte de Cassação; c) expurgar da Constituição toda a matéria que não seja de constitucionalidade estrita; c) restaurar o princípio da reserva do possível ante o descalabro das contas públicas; d) levar a sério o princípio da vedação do retrocesso, sobretudo em relação ao meio ambiente.

Por fim, realçou o preceito maior da participação popular, que deve ser levado a sério, e deu outras sugestões, a serem examinadas em um próximo artigo. Em relação à última advertência, não custa lembrar: as constituições, como as pessoas, precisam de cuidados para que tenham vida longa, senão, morrem.  

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