13/12/2016

O CRIME DE HERMENÊUTICA

Autor: João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

Dia 7 passado, estive em Brasília participando do Seminário “Diálogos Sobre o Novo Código de Processo Civil’_CPC. Coube-me presidir o Painel nº 6, desenvolvido pelos juristas Fabiano Carvalho e Pedro Biazotto, ambos membros da Comissão de Análise da Regulamentação do CPC, do Conselho Federal da OAB. A eficiência do novo diploma legal, a assistência judiciária gratuita, relacionados com a advocacia foram examinados em profundidade pelos dois expositores.

Na abertura, recordei que entre a intenção da lei, a mens legis, e os seus resultados, existem distâncias abissais. O revogado Código de 73, patrocinado pelo então Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, abrigava as mais avançadas doutrinas então vigentes, priorizava a oralidade na prática dos atos processuais. O princípio não se efetivou.  Suas previsões não lograram êxito.

A maior questão do Direito é a sua interpretação. Várias escolas hermenêuticas oferecem modelos interpretativos simplesmente porque o Direito é plurívoco, depende de quem entende ser esses os preceitos e sanções que devem ser aplicados.  O novo CPC reconhece de início a impossibilidade dos atuais modelos judiciários solucionarem os conflitos interindividuais e sociais, propõe formas alternativas de resolvê-los através da conciliação, mediação e arbitragem. Outorga ás partes possibilidades de disporem negocialmente sobre os seus litígios, tudo em nome da celeridade.

Os princípios constitucionais do processo são inafastáveis na interpretação jurídica. Por exemplo, o processo deve pautar-se rigorosamente nos parâmetros da Lei; obedecer aos princípios do contraditório; da ampla defesa; da motivação das decisões; da licitude das provas; da celeridade processual; da presunção de inocência.

Na presente confusão institucional vários desses princípios têm sido desconsiderados por notórios intérpretes dos nossos pretórios. A presunção de inocência é uma conquista da civilização ocidental. É intolerável a sua inversão. O caso da liminar do Presidente do Senado é exemplificativo. O processo a que responde não chegou a termo. Como poderia ser sancionado sem o julgamento devido. A ele ou qualquer cidadão sujeito ao ônus de responder a processos, deve o Estado assegurar-lhe as garantias da Lei, sem antecipações midiáticas ou de qualquer outra espécie metajurídica.

Por outro tanto, deve ficar claro: uma coisa são os juízos morais e éticos, outra os da ordem jurídica. Não quer dizer que o Direito não se deixe permear por esses valores, significa que as formas jurídicas devem ser asseguradas como condição de funcionamento do Estado Democrático de Direito.

No choque das instituições, o juiz Sergio Moro ofereceu contribuição ao Congresso Nacional na tramitação da Lei de Abuso de Autoridade, protegendo juízes e procuradores de condenação pela prática de infração hermenêutica. Fato inusitado. As garantias constitucionais do Poder Judiciário não foram suspensas. Se abominamos as ditaduras, militar, congressual, judiciária, não podemos admitir que juízes e procuradores não as tenham nos atos denunciar e julgar igualmente a governantes e a governados, na conformidade das leis.

As garantias da Magistratura, da Advocacia, do Ministério Público, não pertencem a essas categorias, mas aos cidadãos. No momento em que a hermenêutica e a interpretação do Direito sejam criminalizadas teremos ingressado no inferno da ditatura qualquer o nome que se lhe dê.

Igual e grave perigo rondando a democracia é a criminalização da advocacia, a propositada confusão das pessoas do advogado e do constituinte. A confusão visa fragilizar o instituto do Direito de Defesa, sem ele, o regime democrático sucumbe.

A presidente do Supremo Tribunal Federal em pronunciamento no Conselho Nacional de Justiça, dia 29 do mês passado alertou: “e pior, busca-se até mesmo criminalizar o agir do juiz brasileiro restabelecendo-se o que já foi apelidado de crime de hermenêutica (punição ao juiz por interpretar a lei) no início da República e que foi ali repudiado”.

Os juízes de Hitler, de Mussolini, de Stalin, tal como seus procuradores e advogados, se não interpretassem de acordo com a vontade da raça, da nação, da classe, logo eram destituídos. Não serviam aos supremos interesses daqueles chefes autoritários, donos das mentes e dos pensamentos. Pensavam assim até que os escombros da Segunda Guerra Mundial os sepultou depois sacrificarem milhões de vidas.

A arte, a ciência, a técnica, da interpretação do Direito são tão antigas quanto o espirito humano, manifestado nas várias escolas hermenêuticas constituídas ao longo da construção de civilizações e culturas. A tentativa de criminaliza-las é um ato de estupidez. Afinal, a inteligência e a estupidez são inerentes a condição humana.

  http://www.ericeiraadvogados.com.br/

 

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